São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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Moretti encanta com simpática autobiografia

`Caro Diário' traz aventuras do diretor em três episódios

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O diretor italiano Nanni Moretti, 41, se posicionou ontem entre os favoritos para a Palma de Ouro deste equilibrado 47º Festival de Cannes com "Caro Diário".
Em seu sétimo longa-metragem, que já tem distribuição assegurada no Brasil pela Look Filmes, Moretti filma e protagoniza com humor e simplicidade três episódios autobiográficos recentes.
No primeiro, "Em Minha Vespa", Moretti passeia pelas desertas ruas de Roma nos domingos de verão. O plano principal o registra de costas em sua pequena moto, ao som de extratos musicais variados e sob o seu próprio comentários em voz "off".
"Ilhas", o segundo capítulo, traz Moretti e um amigo pingando de ilhota em ilhota atrás de sossego para escrever um novo roteiro. Já "Médicos", o terceiro, recorda em tom grave e irônico a série de consultas ineptas que antecederam a descoberta pelo cineasta de um câncer de pulmão, já curado.
Esse precoce confronto com a morte catalizou o filme. "Caro Diário" é um evidente desabafo, ainda que cômico e controlado. Nos três capítulos, Moretti acerta várias contas e se permite outras tantas homenagens.
O diretor de "Palombela Rossa" alveja entre outros a idiotia televisiva, a bárbarie turística, o yuppismo, a crítica cinematográfica e a arrogância médica. Simultaneamente, louva Roma como Woody Allen costuma fazer com Nova York, homenageia a memória de Pasolini, visitando o abandonado local de seu assassinato, e também a de Rossellini, levando-nos de volta à ilha de Stromboli.
A ligeira despretensão com que tudo se desenvolve torna agradabilíssimo este passeio de Moretti em torno de seu umbigo. É um pequeno filme, caloroso e simpático. Não tem a grandiloquência dos vencedores regulares da Palma de Ouro. A competição de boa média não apresentou contudo nenhuma obra-prima acabada. Desde logo, Moretti é uma boa zebra.
Depois da comédia romana,um drama romeno. "Um Verão Inesquecível", do veterano Lucian Pintilié, foi a boa surpresa de ontem. Rodado com sutileza e escorado em excelente elenco internacional, esta versão de um romance de Petru Dumitriu acompanha o difícil exílio de um capitão romeno (Claudiu Bleont, um ídolo nacional), sua esposa (Kristin Scott-Thomas, de "Lua de Fel") e filhos num conturbada ponta de praia na Romênia dos anos 20.
O militar iluminista e sua refinada mulher procuram reduzir as tensões étnicas entre romenos, búlgaros, gregos e turcos, que disputam uma região às margens do mar Negro. Pintilié desenvolve com elegância e secura a crônica de uma tragédia anunciada.
A decepção do dia veio porém do único concorrente hispano- americano, "A Rainha da Noite" do mexicano Arturo Ripstein. O veterano cineasta, ex-assistente de Bu¤uel e atual "darling" da crítica francesa, apresentou uma versão barroca e novelesca dos últimos anos de Lucha Reyes, uma espécie de Edith Piaf do México.
Não se estabelece um instante de intimidade com a sucessão de tragédias pessoais de Reyes, filha de prostituta, amante abandonada, suicida persistente até o sucesso aos 38 anos, com uma overdose de barbitúricos. A América Latina merecia melhor representante.

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