São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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Moda do paladar esmaga sexo, drogas, tudo

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Agora podemos esclarecer tudo a respeito dos foodies. Consegui um xerox de um livro esgotado: "The Official Foodie Handbook", o manual oficial dos comilões, editado em 1984 em Londres, escrito por Paul Levy e Ann Barr.
O nome
Os foodies foram batizados em um artigo de revista intitulado "La Cuisine Poseur", isso em agosto de 1982. Afinal, o fenômeno tinha um nome. O assunto explodiu em jornais, revistas e livros como manteiga saindo de um frango a Kiev. Só faltava a palavra para que o movimento cunhado como "foodism" estourasse.
Quando surgiu o foodism em massa? Explodiu em 1980, por todo o mundo, cheio de fermento. O clima político estava úmido, a economia quente. As redes de supermercados vendiam toda a comida do dia-a-dia. A indústria de alimentos precisava de gente para criar novos paladares que conseguissem influenciar as pessoas.
O casal de foodies arquetípico era aquele unido pela sua paixão pela comida e completamente feliz por não compartilhar esta paixão com o resto do mundo. Eles eram reconhecidos por garfarem os pratos um do outro, no restaurante, em meio a humm humms.
A moda
A moda do paladar esmaga assim sexo, droga, roupas, viagens, tudo. A classe arrivista que surgia –os yuppies– engoliu a novidade com casca e tudo. Comida era status. Foi esta classe de novos ricos dos anos 80 que pagou pelo movimento. Pagou pelos livros de cozinha, pelos programas de televisão, pelos "tours" gastronômicos das agências de viagens, pelos guias de restaurantes.
Esta cultura foodie precisava de "boas lojas do ramo" vendendo comida. Transporte rápido com produto fresco. Gente que gostasse de comer e jantar fora para sustentar o edifício caro da cozinha.
A herança
Paris tinha seus trens-bala saindo para os restaurantes estrelados de Lyons de três em três horas, mas foi Nova York que se tornou a capital do "foodism" no mundo, uma cidade dedicada ao seu próprio estômago, novo, rico e aventureiro.
Surgiram a nouvelle cuisine e o processador de alimentos. Muitos acham que sem o processador a nouvelle cuisine teria soçobrado. Eram muitos purês, cenouras raladas, peixes moídos, queijo parmesão em lascas, carpaccio finíssimo. Os foodies lutavam com unhas e dentes por suas causas. Guerra contra as cadeias de fast-food! Salvem-se as sementes antigas! Resgatem-se as cozinhas regionais!
Se arqueólogos resolvessem fazer escavações na casa de um foodie os fósseis encontrados seriam os mais variados possíveis, porque é gente que gosta de experimentar, de aprender tudo o que há de novo, de carregar o facho da moda.
Encontrariam de café capuccino à salada verde numa tigela de madeira rançosa. Das bananas flambadas em Grand Marnier, às quiches mais variadas... Que fim levaram eles? Como se apresentam hoje? Em breve tentarei esclarecer perguntas como: "Os foodies são realmente chatos? Qual o comportamento de um foodie de verdade? Existe uma cozinha do foodie?"
Brasileiros - Um sinal de que a onda de "foodism" está chegando ao Brasil, com um certo atraso. O chef Laurent Suaudeau apresentou, num brunch na Casa Chandon, a organização Euro-Toques-Brasil, que tem como objetivo proteger a qualidade dos produtos, incentivar os pequenos e grandes produtores e fornecedores. Defender o patrimônio gastronômico do país, respeitando e dando importância à culinária regional. Formar cozinheiros profissionais. Divulgar os produtos brasileiros. É um belo programa.
Mineiros - Vocês se lembram de Célia e Celma: as vozes gêmeas da música brasileira? Pois lançaram um livrinho de comida mineira bem simpático, com receitas de cadernos de amigas, tias e avós. Apesar de toda uma caipirice desnecessária, as roupas de festa junina e todo o circo armado para vender o livro, "A Cozinha Caipira de Célia e Celma" (Nova Fronteira) vale a pena. É bem escrito e despretensioso, além de trazer receitas simples e gostosas. Vocês reparem que o "foodism" é como uma praga. Até as gêmeas Célia e Celma são foodies!
Gaúchos - Aninha Comas e José Pinheiro Machado também premiaram os foodies com um pequeno livro, igualmente simpático e despretensioso: "Gastronomia Separatista". Estão vendo? As culinárias regionais estão sendo revistas e suas receitas típicas, resgatadas. É da L&PM editora que, com muita simplicidade, abre uma janelinha para a culinária gaúcha.

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