São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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Viva a África do Sul

BENEDITA DA SILVA

A África do Sul começa agora a se tornar realidade no mundo da democracia. As primeiras eleições multirraciais naquele país foram uma das experiências políticas mais ricas e emocionantes que vivenciei –mais de 300 anos de segregação não tiraram do povo a esperança.
A transição do apartheid para uma democracia racial tem significados importantes. Representa o grande marco da história da humanidade porque foi o movimento de emancipação popular mais marcante deste final de século, iniciado a partir da libertação de Nelson Mandela e da legalização do CNA (Congresso Nacional Africano).
Apesar do rastro secular de violência deixado, a nova realidade política deste país notabiliza-se por representar um processo de transição negociada que levou ao poder a democracia multirracial representada por um governo onde o CNA, como maioria, compõe-se com outras forças minoritárias, abraçando compromissos que, sem dúvida, são movidos pelo espírito conciliatório que caracterizou a aliança de Nelson Mandela como a maior articulação política que a África do Sul conheceu.
Governar a África do Sul, um país de tantos contrastes e injustiças sociais, tendo que administrar os resquícios do apartheid e os conflitos étnicos que provavelmente não acabarão com a posse do novo presidente, não é tarefa das mais fáceis.
As relações de poder tendem, ainda, a registrar as disparidades sociais e de classes que marcaram o país nos últimos anos sob o regime segregacionista, porque o apartheid foi capaz de produzir uma tragédia social sem precedentes, que gerou desigualdades entre a população negra majoritária e a minoria branca.
O compromisso do CNA, expresso no PRD (Programa de Reconstrução e Desenvolvimento), ratifica os objetivos pelos quais se lutou durante décadas e décadas. Com a democratização e a redistribuição de renda, surgirá um país revigorado para reconstruir um futuro livre do legado do apartheid.
A chegada ao poder do Congresso Nacional Africano, liderando um governo de unidade nacional, trará, com certeza, consequências positivas para o relacionamento da África do Sul com os demais países, dentre os quais o Brasil, que é, depois da Nigéria, a maior nação negra do mundo.
Devemos, o quanto antes, iniciar uma ampla e profunda aproximação com a nova África do Sul, hoje livre das sanções internacionais que tanto contribuíram para esta histórica mudança de rumos.
O nosso relacionamento pode ser traduzido em investimentos em vários setores. Destaco, a princípio, a área política e internacional, apoiando o ingresso da África do Sul na zona de paz e cooperação do Atlântico Sul; na área econômica e comercial, onde deve ser enfatizada a cooperação nos setores energético, petroquímico e de telecomunicações, além da troca de experiências para estimular o fluxo turístico entre os dois países; e na área cultural e educacional, com promoção do intercâmbio em música popular, literatura, cinema e artes plásticas e com a criação de instituições vinculadas às embaixadas brasileiras e sul-africanas para a divulgação da cultura afro-brasileira.
Se a economia brasileira tiver como referência também os países africanos, poderemos construir uma nova relação que não será simplesmente cultural e folclórica, mas consolidada numa frente política e econômica que trará prosperidade para todas as nações. A África do Sul espera o nosso gesto.
Agradeço a Deus ter testemunhado nas ruas de Johannesburgo homens e mulheres exibirem, talvez pela última vez, seus passaportes (os "passes livres") para votar pela primeira vez, como se estivessem em terras estranhas, realizando velhos sonhos e esperanças de toda uma vida.
Soweto se vestiu de gala, cobriu o seu chão de estrelas. Caminhantes, resolutos, conscientes, absolutos, entoavam: "Mandela, Mandela, Mandela".
Doces beijos. Ternos mimos. A nova manhã já tem novo cantar.
Batam palmas! Abram alas! Eles merecem. Viva a África do Sul.

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