São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Real e regras de câmbio

ANTONIO KANDIR

Essa última semana foi cheia de boas notícias para o processo de estabilização. A medida provisória que criou a URV foi finalmente aprovada pelo Congresso, eliminando um fator de incerteza quanto ao prosseguimento do plano.
Além disso, a candidatura de Fernando Henrique Cardoso dá sinais claros de já haver superado os piores percalços. Firma-se na segunda colocação e mostra fôlego para nova arremetida.
Em ambiente favorável, e dada a aproximação do dia 1º de julho, as atenções se voltam para a definicão de questões-chave relativas à nova moeda, o real. Uma delas diz respeito à regra cambial que deve ser adotada.
A definição da regra cambial precisa levar em consideração três aspectos: 1) a importância de emprestar, de imediato, a máxima confiabilidade possível à nova moeda; 2) as condições adequadas ao controle da quantidade de moeda a médio e longo prazos, questão-chave para a consolidação da estabilidade econômica; 3) os limites impostos ao controle da quantidade de moeda pela internacionalização financeira.
Comecemos por esse último aspecto. Em economias abertas e num ambiente de franca internacionalização financeira, em que são frequentes mudanças bruscas nos fluxos de capital, a inconveniência de adotar-se regras cambiais excessivamente rígidas está em que, na eventualidade de um aumento expressivo da entrada líquida de recursos externos, não restam outros instrumentos para controlar a quantidade de moeda senão a taxa de juros e o controle direto sobre o fluxo de capitais.
O controle direto sobre os fluxos de capital, através da tributação e da fixação de prazos para saída, é uma alternativa razoável de curto prazo. Ela apresenta, contudo, dois inconvenientes.
De um lado, não permite o ajustamento fino que só o mercado é capaz de produzir. De outro, pode mostrar-se contraproducente no caso de um país que necessita de poupança externa para alavancar um novo ciclo de desenvolvimento econômico.
Por sua vez, o controle da quantidade de moeda através da taxa de juros, elevando-a para enxugar a liquidez no caso de entrada "excessiva" de recursos externos, é desastroso em suas consequências.
Desastroso porque aumenta o custo do serviço pago sobre a dívida mobiliária interna e arrebenta por dentro a situação fiscal do setor público, quebrando um dos suportes básicos do processo de estabilização.
Penso, portanto, que, em economias abertas e num ambiente de franca internacionalização financeira, o câmbio flexível é o instrumento mais adequado para ajustar a quantidade de moeda na economia, frente a frequentes e, por vezes, bruscas mudanças nos fluxos de capital de um país para o outro.
No caso de um aumento abrupto da entrada líquida de recursos externos, provável no caso de confirmarem-se as expectativas de vitória de Fernando Henrique Cardoso, seria, pois, importante contar com um câmbio flexível, de tal sorte a impedir que, na conversão de recursos externos para moeda nacional, houvesse uma expansão excessiva de liquidez.
Em suma, se questão-chave da estabilização é estabelecer uma autoridade monetária com o maior poder possível para exercer controle sobre a quantidade da moeda na economia e se, hoje, esse poder está estruturalmente limitado por frequentes mudanças nos fluxos financeiros internacionais, então não é o caso de amarrar a taxa de câmbio a regras excessivamente rígidas, tais como fixação, variação em linha com a inflação, prefixação, etc.
Assim, embora a fixação da regra cambial a ter vigência imediata deva levar em conta aspectos que escapam a quem não está no comando das decisões econômicas, é importante não perder de vista que o regime de câmbio flexível é mais adequado ao controle da quantidade de moeda a médio e longo prazos e à consolidação da estabilidade econômica.

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