São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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O PT e o conceito de desenvolvimento

LUÍS NASSIF

Ainda há lacunas consideráveis nas teses econômicas do PT, em relação a pelo menos dois temas relevantes: políticas de estabilização e de desenvolvimento.
A dificuldade para a melhor compreensão desses processos decorre de preconceitos em relação ao papel das empresas e dos empresários, ainda não completamente exorcizados pelos intelectuais mais modernos do partido, nem se diga pelos xiitas.
Em geral, ainda se considera que:
toda empresa, por definição, é viável e geradora de excedentes;
todo excedente se destina ao consumo ostentatório do capitalista;
o preço e o emprego são variáveis influenciadas exclusivamente pelo nível de ganância do empresário;
o empresário ganha sempre, até quando a empresa quebra.
A partir daí, é grande o risco de cair na esparrela de que congelamento elimina inflação e decretos criam empregos.
Assumindo o poder, desde que o aiatolá Bisol se contenha, o PT não incorrerá em tais simplismos.
Mesmo assim, dependendo da velocidade com que Lula e seus intelectuais assimilem tais conceitos, o partido terá dificuldades em administrar o jogo de expectativas do mercado.
Essa visão estereotipada de mercado foi modelada na crítica aos grandes empresários dos anos 70 e 80, os filhotes sofisticados do BNDES, os anacrônicos da Sudene e os novos aventureiros da Suframa, donos ricos de empresas pobres, que tinham sua ineficiência protegida por crédito a fundo perdido, subsídio a vontade e um mercado basicamente fechado –quando não pela corrupção pura e simples.
Com a a abertura da economia, esse bicho-predador está em acelerado processo de extinção. Mas os filhos da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) ainda não se deram conta disso.
Daí a dificuldade em entender relações de causa e efeito entre lucros, investimentos, empregos e, a partir daí, situar adequadamente o Estado no processo de desenvolvimento econômico.
Os círculos intelectuais mais próximos a Lula definiram como objetivos centrais desta política econômica a promoção do desenvolvimento e a erradicação da miséria.
É um grande avanço para contrabalançar a ditadura do macroeconomismo fajuto que dominou o país na última década.
Lula tem dito que esta é a fita métrica que irá medir a qualidade dos demais temas –incluindo estatização, estabilidade de funcionalismo etc. etc.
De qualquer modo, esse desconhecimento do microcosmo das empresas vai impedir, num primeiro momento, que um eventual governo petista perceba claramente a maneira como fatores macroeconômicos (políticas fiscais, monetárias, cambiais) interferem sobre o ambiente econômico.
Vai demorar até que os intelectuais de Lula se dêem conta de que impostos interferem no nível de emprego e no ritmo do desenvolvimento.
Também vai retardar a tomada de consciência de que qualquer política econômica que vise o desenvolvimento e o emprego, a esta altura do campeonato, tem que transformar a empresa –não necessariamente o empresário– em objetivo preferencial de política econômica, criando estímulos ao investimento e ao reinvestimento de lucros.
Consumo e emprego
Uma segunda visão torta, hoje peça central do programa econômico petista, é julgar que o principal objetivo de política industrial será estimular produtos de consumo popular que absorvam mão-de-obra intensiva.
Trata-se de uma linha de pensamento distorcida, que tem em Itamar Franco sua caricatura preferencial, ao considerar que carro popular tecnologicamente sofisticado é frescura de novo rico.
O melhor que se tem a oferecer aos trabalhadores são empregos bem remunerados e em expansão. O modelo defendido por tantos anos pelos cepalinos, que países pobres devem produzir produtos de terceira para consumidores de segunda, foi sepultado pelo próprio sucesso dos tigres asiáticos.
Na fase inicial de industrialização, conquistaram mercado com produtos baratos e de má qualidade. Depois, com os lucros acumulados, trataram de investir pesadamente em qualidade e produtividade, para competir de igual para igual com os melhores.
Não fosse isso, a expansão inicial da economia, ao encarecer os salários, teria inviabilizado os tigres antes que deixassem de ser gatos. Hoje, enfrentam gigantes e ostentam rendas "per capita" de Primeiro Mundo.
Por isso mesmo, o alvo preferencial dos produtos internos deve ser o consumidor exigente, não o massificado.
Esse desconhecimento da realidade das empresas, da teia de preços que compõem seus custos, poderá produzir um equívoco de grande porte: é a utilização das câmaras setoriais como instrumento de combate à inflação.
As câmaras são fundamentais como instrumento de política industrial, para reduzir o nível real de preços do setor, não a inflação. Ajudam a reduzir o preço em dólares, não em cruzeiros, porque é impossível no âmbito de uma câmara orquestrar todos os aumentos de preços da economia.
Câmaras produzem eficiência, não garantem queda de inflação.

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