São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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ZAGALO

JOÃO MÁXIMO
ENVIADO ESPECIAL A TERESÓPOLIS

Um alagoano de Maceió, 63 anos no próximo 9 de agosto, pode entrar para a história como o primeiro (e talvez único) personagem a ganhar quatro Copas do Mundo de futebol. Seu nome: Mário Jorge Lobo Zagalo.
Jogador em 1958 e 1962, treinador em 1970, coordenador técnico agora, ele vê nessa primazia bem mais do que uma possibilidade: "É quase uma certeza", sentencia em entrevista exclusiva à Folha, entre um treino e outro da seleção brasileira na Granja Comary.
Se tem consciência de que foi (e ainda é) o mais combatido estrategista das últimas três décadas de futebol brasileiro, a ponto de se converter numa espécie de símbolo do defensivismo, Zagalo acha, também, um ganhador: "Um retranqueiro não pode ter tantos títulos como os que colecionei em minha vida de jogador e técnico", argumenta.
Com a experiência de quem vai viver sua quinta Copa do Mundo (apenas uma perdida até aqui, a de 1974), afirma. "Estamos caminhando firmes para ganhar a nossa quarta taça." Do Brasil e dele próprio.
Mas há um sentimento muito forte por trás de sua quase certeza. O encontro com Ayrton Senna em Paris, 11 dias antes da morte do piloto –durante o qual os dois combinaram dividir as responsabilidades de dar um tetra ao Brasil este ano–, tem muito a ver com ela.
Zagalo vai às lágrimas ao mencionar a carta (ainda não enviada) que sua neta de dez anos escreveu, para os pais do piloto, morto no dia 1º em Imola (Itália).

Folha - O ponta-esquerda recuado Zagalo e o treinador Zagalo sempre carregaram a fama de defensivistas. O coordenador técnico Zagalo, a mesma coisa. Como você tem convivido com isso estes anos todos?
Zagalo - Evandro Mota, o profissional que ministra o curso de auto-ajuda aos jogadores desta seleção, fez para eles um anagrama no qual a palavra "vencer" é escrita com o V de perseverança, o E de humildade, o N de união, o C de disciplina, o E de talento e o R de determinação.
Sou um vencedor. E, para se ser um vencedor, tem-se de ter aquelas seis qualidades. A melhor resposta que posso dar aos que me chamam de retranqueiro são os resultados que alcancei como jogador e como técnico.
Folha - Vooê acha injusta a fama de "retranqueiro"?
Zagalo - Aquele que só defende não pode ser um vencedor. Meus times tiveram não só as defesas menos vazadas, mas principalmente os ataques mais positivos.
Tomemos o exemplo de 1970: conquistamos o tri com 19 gols a favor e 7 contra. Sabe por que me chamavam de retranqueiro?
Porque eu estava muito à frente dos outros. Eu era retranqueiro simplesmente porque recuava um ponta. Veja como jogam os melhores times do mundo hoje.
Folha - Então, você não se considera uma defensivista?
Zagalo - Não. Nem tampouco um ofensivista. No futebol como na vida, o equilíbrio é tudo. Acredito nisso e na força do trabalho e da união.
Sou dos que acreditam que o todo é maior que a soma de suas partes. O treinador defensivo não leva sua equipe a lugar algum. O ofensivo, apenas ofensivo, também não. Atacar sem disciplina é suicídio. Defender, apenas defender, é renunciar à vitória.
Folha - Em que medida você se vê à frente dos outros, primeiro como jogador e depois como treinador?
Zagalo - Fui um jogador inteligente, com preocupações táticas que a quase totalidade de meus companheiros de ofício não tinha.
Em 1958, por exemplo, embora digam que o Brasil jogou no 4-2-4, eu já era um ponta que voltava para ajudar Zito e Didi no meio-campo, ou mesmo a defesa quando preciso.
Na final contra a Suécia, salvei um gol em cima da linha, que não era lugar para ponta-esquerda estar. E depois fui lá na frente marcar o quinto gol, como bom atacante que era.
Como treinador, também. Sempre achei que não se consegue nada só com palavras. Uma boa fala ajuda, mas é preciso mostrar na prática como as coisas funcionam. É verdade que muitas vezes você é mais evoluído do que o grupo que tem nas mãos.
Não foi fácil para mim, em alguns casos, convencer craques brasileiros que o individualismo não é tudo e que as posições fixas não existem. Estava à frente porque os outros não viam que minha filosofia tática era, por que não dizer, a semente do futebol moderno, no qual todos devem atacar e defender na hora certa.
Folha - No que consistia sua filosofia de jogo?
Zagalo - Em algo muito avançado para a época. Já imaginou meter na cabeça de um atacante que também era função dele marcar, fechar espaços, ajudar defensores em dificuldades? Eu usava muito o quadro-negro e o campo de botões para explicar isso aos meus jogadores.
Já nos anos 60, eu recomendava ao meu time o bloqueio, a luta pela posse de bola, algo que já antecipava o chamado futebol total.
Ensinava aos meus jogadores, entre outras coisas, a "hora do bote", como deixar um jogador livre para que a bola seja lançada para ele, permitindo ao zagueiro tomá-la de surpresa.
Fundamentos, enfim, que vingariam. Como técnico, fiz coisas que ninguém me ensinou. Aprendi vendo, observando, vivendo. Sou, mesmo, um precursor.
Folha - Acha que seus colegas treinadores custaram a compreender isso?
Zagalo - Não tenho a menor dúvida. Voltemos ao exemplo de 1970. Sabe o que Tim, o grande estrategista de então, disse antes da Copa? Que não poderíamos ganhá-la com um time de apenas um atacante: Jairzinho.
Não considerava atacantes Tostão, Pelé, Rivelino. Nem percebia o potencial ofensivo de jogadores como Gérson, Clodoaldo, Carlos Alberto. Aliás, todos os citados marcaram gol no México.
Folha - E essa história de que o melhor sistema para você seria um 4-6-0?
Zagalo - Às vezes brinco para poder falar sério. Eu sabia que iriam explorar a história do 4-6-0, dizendo que, no meu sistema ideal, não haveria um único atacante.
Mas a verdade é que esta é a lei do futebol moderno. Não significa que meu time jogaria com "zero" atacante, e sim que, com um bloco de seis, iríamos dificultar a ação do adversário em nosso campo para depois chegarmos lá na frente com seis ou mesmo mais.
Na seleção, Bebeto e Romário não voltam, daí o 4-4-2. Mas não tenho dúvidas de que, se eles voltassem para combater, nosso time seria muito mais compacto.
Folha - Acredita que as críticas sofridas naquela época pudessem ter um caráter pessoal –ou mesmo político, já que muitos viram na substituição de João Saldanha (técnico da seleção até o mês de março de 1970) por você o dedo do general Emílio Médici, o presidente do país na época?
Zagalo - Nunca soube porque alguns críticos apoiaram-se nessa idéia. Nunca entendi de política. Nem quero entender. Jamais votei em partidos.
Quer um exemplo? Vou votar para presidente em Fernando Henrique Cardoso, mas juro que, se o Fernando Henrique Cardoso passasse para o PT, eu continuaria votando nele.
Houve muita injustiça naquela época. Disseram, entre outras coisas, que convoquei o Dario por ordem do presidente Médici. Pode haver coisa mais absurda? Aceitei substituir o Saldanha sob a condição de convocar mais cinco jogadores. Dario (centroavante do Atlético) foi um deles. Os demais, Félix (goleiro do Fluminense), Sebastião Leônidas, Roberto Miranda e Arílson (zagueiro, ponta-de-lança e ponta-esquerda do Botafogo, respectivamente).
Convoquei esses cinco porque gostava do futebol deles. Só isso. Depois, eu cortaria Rogério e Leônidas por razões médicas e Arílson, Zé Carlos e Dirceu Lopes (volante e meia do Cruzeiro) por motivos técnicos.
Foi assim que defini os 22, sem influência de ninguém. Como também foram só minhas as decisões de escalar Rivelino na ponta esquerda, Clodoaldo no meio-campo...

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