São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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JOÃO MÁXIMO

Tinha convicção de que o verde-amarelo da seleção, um tanto desbotado, ganharia a antiga tonalidade
Em 70 saí daqui como maluco e fomos tri; talvez os críticos de hoje estejam um dia enaltecendo o 4-6-0

...ao lado de Gérson e Piazza na quarta-zaga. Não era este o time do Saldanha.
Folha - Falando da seleção atual: você que viveu 1958, 1962, 1970 e 1974, como avalia o potencial do grupo de 1994?
Zagalo - Há três anos, eu tinha convicção de que o verde-amarelo um tanto desbotado da seleção brasileira recuperaria suas antigas tonalidades. Hoje, tenho quase certeza. Pela qualidade do grupo, pelo trabalho, pelo fato de termos um esquema tático definido e, acima de tudo, por Parreira, um homem que sabe mudar um time quando necessário.
Veja as eliminatórias do ano passado. Começamos de um modo, com apenas um cabeça-de-área. Depois, por motivos essencialmente técnicos, já que Luís Henrique não estava bem, Parreira optou pelos dois volantes.
Aproveito para protestar contra a injustiça que fazem com o Dunga. É um excelente jogador. Tem consciência de seu papel no time, é lúcido, sabe o que faz. E tem personalidade para superar toda a má-vontade com o jogo dele.
Voltando ao nosso tema, Parreira soube mudar o time.
Folha - Até que ponto Zagalo influencia Parreira?
Zagalo - Tenho uma vivência de 47 anos de futebol. Parreira, mesmo sem ter sido jogador, é um homem experiente. É estudioso, inteligente, tem pensamento próprio. Se o modo de ele ver o futebol afina com o meu não quer dizer que um influencia o outro.
Parreira é um teórico. Muita gente não gosta de teóricos, o que não é o meu caso. Nossa seleção está em ótimas mãos –e que fique claro que quem manda no time é ele, quem escala é ele, que o técnico é ele. Só aceitei ser o coordedandor dessa comissão porque o homem que iria dirigir o time era o Parreira.
Folha - Já falamos das críticas do passado. E as de agora? Não estariam, você e Parreira, europeizando o nosso futebol?
Zagalo - Somos brasileiros, eu e Parreira. Primeiro, porque nascemos no Brasil. Depois, porque nossa maneira de ver o futebol nada tem a ver com a Europa.
Jamais joguei na Europa, eu e Parreira nunca dirigimos equipes européias. Não somos pela adoção do líbero, não marcamos homem a homem.
O Brasil foi três vezes campeão do mundo jogando à brasileira. Se formos ver bem, os europeus é que estão se sul-americanizando.
Folha - A base desta seleção não é muito diferente da base de Sebastião Lazaroni. O que diz disso?
Zagalo - Sei que há, em algumas pessoas, a tendência de passar uma borracha no que saiu errado para começar tudo do zero. Por termos fracassado em 1990, acham que nada do que foi feito então presta.
Por que não convocarmos jogadores daquela seleção? Afinal, Tostão, Gérson e Jairzinho sobreviveram ao desastre de 1966 para ser tricampeões em 1970.
Folha - Há quem prefira perder a jogar mal. E você?
Zagalo - Como disse há pouco a um repórter da televisão uruguaia que me entrevistou, o Brasil de 1982 e 1986 jogou bem mas não venceu. O de 1990 não fez uma coisa nem outra.
Há, realmente, os que preferem o futebol-show ao futebol competitivo. Vamos jogar nos EUA para ganhar. Se der para jogarmos bem e bonito, ótimo.
Sou, por temperamento e vocação, um vencedor. É para vencer que meus times jogam.
Acho fundamental, na história dessa seleção brasileira, o jogo com o Milan em San Siro. O Milan estava invicto há 54 jogos. Fomos lá, jogamos competitivamente, ganhamos. Não foi um futebol-show, mas a seleção ganhou moral naquele dia.
Folha - Acredita que o Milan possa ser um exemplo daquilo que o Brasil poderá enfrentar nos Estados Unidos, se a Itália cruzar o seu caminho?
Zagalo - Sim. Só que agora estamos preparados para enfrentar qualquer adversário. Isso é o que eu chamo de futebol competitivo.
Folha - O que fez de Zagalo... Zagalo? Predestinação, trabalho ou sorte?
Zagalo - Talvez pudesse responder com as palavras do anagrama que eu citei no início. Mas não sei. Não acredito em predestinação. Sou de formação católica, rezo e faço meus pedidos todas as noites.
A caminho da Copa de 58, joguei uma moedinha na Fontana de Trevi. Nem preciso dizer o que pedi.
Um dia, já em Hindas, Suécia, vinha com o preparador-físico Paulo Amaral por uma estrada de terra quando perdi as travas de minha chuteira. Lá no íntimo, disse pra mim mesmo: "Se eu achar essas travas, seremos campeões do mundo". Na volta da caminhada, achei as travas. Tenho, de fato, essas coisas. Sorte?
Falam muito na minha relação com o número 13. Será? Vamos fazer umas contas. Meu primeiro título como treinador profissional foi em 67: seis mais sete, 13. Fui campão mundial em 58: cinco mais oito, 13. Nasci em 1931: um e três invertidos. Voto na 13ª Zona Eleitoral, moro num 13º andar, minha mulher é devota de Santo Antônio, cujo dia é 13 de junho. Chapa do meu carro: 1313.
E não podemos nos esquecer de que estamos em 94: nove mais quatro, 13.
Folha - Você se considera um homem realizado? Como se sente podendo ser o único do mundo a ganhar quatro Copas?
Zagalo - Como já disse, sou um vencedor. Volto a falar daqueles tempos em que me acusavam de retranqueiro só porque, jogando ou dirigindo um time, fiz do ponta-esquerda recuado –ou falso ponta, como preferiam alguns– uma importante mudança nos sistemas de jogo vigentes.
O tempo falou mais alto –e acho que também isso é uma espécie de vitória. Os que me criticaram naquela época, os que disseram que eu era um jogador defensivista e um ténico sem ousadia, são os mesmos que, hoje, reconhecem no meio-campo reforçado um imperativo do futebol.
Quem mudou? Eu ou eles? Quando penso nisso, sorrio.
Todas as verdades são contadas através do tempo. Em 1970, saí daqui como burro, maluco, irresponsável por ter escalado Rivelino na ponta. E fomos tri. Daqui a algum tempo, os críticos de hoje talvez estejam enaltecendo o 4-6-0.
Folha - E seu encontro com Ayrton Senna em Paris?
Zagalo - Conversamos muito quando a seleção brasleira jogou lá, em 20 de abril, dez dias antes da tragédia. Lembro-me de ter dito a ele: "Olha, Ayrton, levanta a cabeça que você vai ganhar o tetra este ano." Ele sorriu e me disse: "Bem, Zagalo, um tetra é responsabilidade demais para um só. Que tal a gente dividir isso, eu, você, a seleção que vai aos Estados Unidos?".
Limitei-me a dizer: "Combinado". A perda de Senna foi algo que doeu na nação inteira. E em mim em particular... (Zagalo perde a voz e começa a chorar). Minha neta de dez anos escreveu aos pais dele uma carta muito bonita que ainda não tive como fazer chegar ao destino.
Hoje, penso em Ayrton Senna como uma inspiração. Ganhar a Copa do Mundo é muito importante para o brasileiro, como eram as vitórias dele na Fórmula 1. Acredite que a lembrança do nosso campeão vai conosco para os EUA.
Folha - Zagalo, o jogador ou o treinador, enriqueceu com o futebol?
Zagalo - Rico? Prefiro me considerar um homem que soube administrar sua carreira de jogador e treinador.
Quando assinei meu primeiro contrato de jogador com o Flamengo, disseram-me que ele me dava direito a passe livre um ano depois. Passado esse tempo, fui surpreendido com a notícia de que não tinha o tal passe livre. Joguei tudo para o alto e fui para casa.
Não éramos ricos, mas meu pai, representante no Rio da indústria de tecidos Alexandria, de Alagoas, podia pelo menos pagar os meus estudos. Claro, o Flamengo voltou atrás.
Sempre soube me impor na minha vida profissional. Por isso, quando voltei da Copa de 58, com o preço de meu passe fixado, pude me transferir para o Botafogo.
Quer outro exemplo? Quando virei técnico do juvenil do Botafogo, em 64, faltavam nove meses para acabar meu contrato de jogador. Exigi, e consegui, que meu contrato de treinador fosse paralelo ao de jogador, de modo que fiquei com dois salários nesse tempo.

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