São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Não preciso de dinheiro, diz Sotomayor

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Javier Sotomayor Sanabria, 26, recordista mundial do salto em altura, é um homem simples.
Vem de um país simples, também, mas bem diferente do resto do mundo. Cuba, uma terra em que falta tudo, "principalmente dinheiro", mas produz alguns dos melhores atletas do planeta.
Javier é um deles. Iniciou sua especialização no salto aos 14 anos e não parou mais de superar recordes. Desde 1988, detém a marca mundial.
Naquele ano saltou 2,43 m. Em 89, 2,44 m. No ano passado, estabeleceu a marca atual, 2,45 m, que ele acredita ter condições de superar ainda este ano.
Javier correria para saltar ontem, durante o GP São Paulo de Atletismo, pensando em "sua família e em seu povo", do qual diz se orgulhar.
E, dizendo-se orgulhoso, mostra a foto do filho, também Javier, 1 ano e 5 meses, tirada há poucos dias em Havana.
No retrato, ao lado de "Júnior", aparece a Mercedes, na cor "vermelho imperial", que ganhou no Mundial de Atletismo, no ano passado em Stuttgart.
Um "luxo" que poucos na ilha de Fidel Castro tem. Javier é um dos poucos cubanos, também, que pode viajar pelo mundo. E comprar fraldas para "Júnior".
Antes de conceder entrevista à Folha, Javier fez o repórter indicar todos os locais, nas proximidades do hotel em que estava hospedado, onde poderia encontrar o "raro" produto.

Folha - Como é sua rotina de treinamentos?
Javier Sotomayor - Meu treinamento é muito variável. Depende da época e das condições. Às vezes, por exemplo, eu corro muito. Pode ser em estádio ou na praia. Conforme as minhas necessidades físicas, eu aumento ou diminuo o trabalho.
Folha - E durante as competições?
Sotomayor - É mais suave. Faço um trabalho mais técnico.
Folha - Você já fez 2,40 m duas vezes este ano e 2,35 m, no último fim-de-semana, em Manaus. Pode-se esperar mais uma quebra de recorde mundial nesta temporada?
Sotomayor - Me sinto bem e tenho conseguido chegar aos 40 (2,40 m), o que me faz pensar no recorde mundial. Tentar eu vou, não sei se conseguirei.
Folha - Ele pode acontecer por agora?
Sotomayor - Não. Estarei na melhor forma em julho, agosto.
Folha - Quando as competições são mais importantes...
Sotomayor - Sim.
Folha - Você estava de férias no começo do ano?
Sotomayor - Tiro férias apenas no final da temporada, em setembro. Descanso um pouco, quatro semanas.
Folha - E depois...
Sotomayor - Já começo a treinar de novo.
Folha - Você acredita não ter adversários atualmente?
Sotomayor - Claro que tenho.
Folha - Mas você bateu o recorde três vezes seguidas...
Sotomayor - Quanto a recorde, agora, creio que é difícil alguém me superar. Mas em competição é possível.
Folha - Há quanto tempo você não é derrotado?
Sotomayor - No ano passado perdi três vezes.
Folha - Por quê?
Sotomayor - Porque tenho que perder (dá risadas).
Folha - Tempos atrás você avaliou que o limite do homem no salto em altura é 2,50 m. Ainda pensa assim?
Sotomayor - Não há limites. Ninguém tem limites.
Folha - Você não tem limites?
Sotomayor - Não.
Folha - Alguém superará a barreira dos 2,50 m?
Sotomayor - Sim, mas daqui a muitos anos.
Folha - O que será necessário para isso acontecer?
Sotomayor - Terá que haver um desenvolvimento na técnica do salto e nos treinamentos.
Folha - Atualmente existe algo diferente?
Sotomayor - Não creio.
Folha - Nem no campo da tecnologia, biomecânica...
Sotomayor - Se existisse algo, eu estaria usando.
Folha - Você compete pelo Larios (clube espanhol), que tem um acordo com o Inder (Instituto de Desportes, que controla todas as modalidades esportivas de Cuba). Como é este acordo?
Sotomayor - É um convênio entre as duas partes. É um contrato normal de atleta, que tem a duração de um ano.
Folha - Mas você tem salário?
Sotomayor - Não. O contrato, na prática, é entre a federação e o Larios. Nós ganhamos passagens, estadias na Espanha, viagens.
Folha - E contratos publicitários? Você ganha alguma coisa?
Sotomayor - Não. Ganhamos 1% dos prêmios dos Meetings. De publicidade, nada.
Folha - Você está usando um agasalho Adidas. Este dinheiro vai para o governo?
Sotomayor - Exato.
Folha - Mas você ficou com a Mercedes que ganhou no Mundial de Stuttgart, em 93...
Sotomayor - Sim (mostra, orgulhoso, uma foto, tirada em Havana, na qual aparecem o filho e o carro, de cor vermelha).
Folha - E a gasolina? (Cuba sofre embargo econômico por parte dos EUA e derivados de petróleo são escassos na ilha)
Sotomayor - Não é farta como no Brasil, mas existe (dá risadas).
Folha - Como você se sente ao lado de atletas que ganham milhões de dólares?
Sotomayor - Vivemos diferente. A forma de vida de meu país é diferente. Lá falta dinheiro e em grande quantidade. Se eu tivesse US$ 1 milhão não teria onde gastar. Em Cuba só precisamos de dinheiro para alguma necessidade, luxos. Muitas coisas são gratuitas. Não me preocupo com isso.
Folha - Que luxos você tem?
Sotomayor - Não muitos...
Folha - Tem a Mercedes...
Sotomayor - Sim...(uma sonora gargalhada interrompe sua frase) Tinha um Lada antes.
Folha - Quando você começou a se dedicar ao atletismo?
Sotomayor - Comecei no salto com 14 anos. Mas sempre fiz atletismo. Em Cuba, as crianças praticam o pentatlo na escola.
Folha - E você se destacou no salto...
Sotomayor - Exato. Por isso é que, no início, todas as crianças fazem diversas modalidades.
Folha - E como se descobrem promessas para outros esportes?
Sotomayor - Na escola, lhe perguntam que modalidade você gostaria de praticar. Eu, por exemplo, gostava de atletismo.
Folha - Por alguma razão especial?
Sotomayor - Meus amigos na escola praticavam atletismo. E também porque tinha meus ídolos, como Alberto Juantorena (meio-fundista).
Folha - O que você gosta de fazer em seu tempo livre?
Sotomayor - Passear, visitar meus familiares, ir à praia, fazer a "siesta"...
Folha - Qual a melhor praia de Cuba?
Sotomayor - Varadero. Fica perto de Havana, uns 40 km.
Folha - Poderíamos conversar sobre política? Sobre Castro?
Sotomayor - Não. Só esporte.
Folha - Como é ser o melhor do mundo?
Sotomayor - Me sinto bem, orgulhoso e realizado... Por outro lado, me comprometo muito com meu povo. Toda vez que saio para competir, eles querem me ver em primeiro. Não entendem eu ser o segundo.
Folha - Na corrida para o salto, você pensa nisso?
Sotomayor - Penso em meu povo e minha família. Sinto muito a falta deles.
Folha - O que você acha do Brasil?
Sotomayor - Gosto das pessoas. São como nós, os latinos. Muito alegres e divertidos. Diferente dos europeus e norte-americanos. Há muita música e dança.
Folha - Você conhece a música brasileira?
Sotomayor - Um pouco. Em Cuba, o mais conhecido é Roberto Carlos. Gosto de várias músicas dele. "Amigo", "Detalhes"...
Folha - Quantos pacotes de fralda você vai comprar?
Sotomayor - (dando risadas) Não muitos. Um pouco aqui, um pouco ali. Em Cuba, custa pelo menos o dobro.

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