São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Estudo sobre romantismo traça psicologia do sublime

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Professor de literatura em Yale, ninho dos pós-estruturalistas americanos Geoffrey Hartman e Hillis Miller e do revisionista Harold Bloom, Thomas Weiskel não teve tempo de resolver sua própria angústia da influência. Morto prematuramente – em 1974, patinando num lago com a filha, antes dos 30 anos –, o discípulo deixou a Bloom e Hartman a tarefa de finalizar e editar seu estudo sobre o sublime, experiência central da poesia Inglesa dos séculos 18 e 19 categoria estética fundamental na arte e filosofia românticas.
Em "O Sublime Romântico (Estudos sobre a estrutura e Psicologia da Transcendência"), Weiskel abraça a indiferenciação entre os gêneros proposta pelos leitores americanos de Derrida. Não hesita em tratar os textos literários como gestos filosóficos, muito menos em aplicar métodos da crítica literária aos textos filosóficos, também fundados na construção retórica e ficcional, com suas próprias entrelinhas.
Assim, não se espere de Weiskel uma história filosófica do conceito – ainda que o autor acompanhe o desenvolvimento da idéia desde Longino até sua formulação teórica mais influente, a kantiana. Tampouco análises imanentes da realização literária do fenômeno na obra dos poestas pré-românticos (como Collins) e românticos ingleses (especialmente Wordsworth, Keats e Shelley), das quais também se ocupa.
Os dois movimentos interessam unicamente na medida em que ajudam a explicar a mecânica psicológica do sublime, traduzida por Weiskel em termos freudianos e semióticos, e, mais que isso, a necessidade súbita que os românticos têm de reviver a noção, dando-lhe uma formulação própria e tensa: a de um "sublime humanístico", verdadeira contradição nos termos.
Aquele que cala e se assombra frente ao "silêncio" eterno dos espaços infinitos", experimenta um misto de terror e deleite, sentindo-se ao mesmo tempo diminuído, encurralado, e propenso à transcendência, a vencer os limites humanos, seja no sentimento, seja no discurso. Weiskel sustenta que, para o humanismo literário moderno, incapaz de conceber a problemática nos termos teológicos tradicionais, Milton marca a ruptura, o sublime se converte em metáfora, transposição de transcendência para uma chave naturalística, secularizada.
Em poetas como Wordsworth, o processo sublime passa a ser um conflito entre o apelo arcaico da palavra profética, poder obscuro que substitui a divindade ausente, e a vontade de reafirmar a identidade humana, expressa na imaginação. Daí seu caráter liminar e agônico, que Weiskel associa ao processo edipiano.
Os limites do estudo de Weiskel são os de sua escola crítica, erudita, engenhosa, mas árida. Ainda que busque exaustivamente as implicações do sublime para questões centrais à lógica romântica (como a originalidade, a divisão irônica da personalidade, a constituição da identidade), ainda que mapeie sua derivação em vários temas obsessivos do poetas da época (a angústia da solidão, o sacrifício, a culpa, a queda), parece nos falar mais das ansiedades do autor.
Ao termo, sobra a sensação de que o texto poético perde sua identidade, se esgarça a serviço da demonstração de idéias e elas mesmas se confundem na equiparação de toda filosofia à literatura (licença que permite psicologizar Kant, por exemplo).

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