São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 1994
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Tarantino perde a concisão em "Pulp Fiction"

AMIR LABAKI
DO ENVIADO ESPECIAL

"Pulp Fiction", o segundo longa-metragem de Quentin Tarantino, tem por maior pecado a excessiva pretensão. Tarantino articula em quase duas horas e meia de projeção três histórias à moda de "Cães de Aluguel". Uma quarta e breve situação abre e encerra o filme.
Um casal (Tim Roth e Amanda Plummer) toma um lanche e decide assaltar a cafeteria. A cena é congelada e concluída no fim.
O primeiro episódio começa mostrando um par de capangas (John Travolta e Samuel L. Jackson) em plena missão. Conclusão também adiada para mais tarde.
Um rápido "flash-back" cômico, com um veterano do Vietnã (Christopher Walken) levando um relógio familiar a um garoto, faz a cortina para o segundo capítulo.
Retomamos então a criança, que se tornou um lutador de boxe (Bruce Willis) que recebe dinheiro para perder uma luta, revolta-se, mata o oponente e foge. É o coração criativo de "Pulp Fiction".
A terceira história retoma a dupla de capangas formada por Travolta e Jackson. Por acidente, matam com um tiro na cabeça um jovem negro que transportam no banco traseiro do carro. Um conhecido (o próprio Tarantino) lhes empresta por hora e meia a garagem para que limpem a barra.
"Pulp Fiction" tem uma estrutura em que os personagens fazem as ligações entre os episódios, que se articulam sem respeitar a cronologia. Por exemplo, um deles é fuzilado em uma aventura e reaparece sem problemas nas posteriores. A máfia encabeçada por Marsellus Wallace (Ving Rhames) é a referência comum entre os episódios.
O estilo é o mesmo de "Cães de Aluguel": diálogos hilariantes e repletos de citações à cultura de massa (filmes, séries de TV, música pop etc.), situações violentas, câmera frenética. Desequilibra o todo, porém, o excesso. Há piadas demais, nem todas tão engraçadas. Há muitas cenas paralelas sem qualquer relevância.
Perde-se assim um dos trunfos de "Cães de Aluguel": a síntese. Nos seus melhores momentos, "Pulp Fiction" recicla o cinema de entretenimento sintonizando-o com a cultura neopop deste final de século. O jovem cineasta parece um adolescente que engrossa a voz para parecer falar a sério.
Tarantino tem talento demais para precisar disso.

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