São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 1994
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Ilusão e Ilusionismo

LÍGIA MARCONDES MACHADO

Com certeza, é muito fácil argumentar contra os números que o reitor da USP, Flávio Fava de Morais, apresenta em artigo publicado nesta Folha em 15/05. Mas vamos fazer muito mais do que isso: vamos discutir os números e argumentar contra a escolha destes números em particular e contra a escolha de alguns critérios que o reitor emprega.
Em relação aos números apresentados pelo reitor, preferimos devolvê-los à cartola do ilusionista e buscar argumentos nas próprias fontes da reitoria. Para começar, é bom deixar claro que qualquer discussão sobre perdas depende do índice utilizado.
Nossas reivindicações têm por base o índice ICV-Dieese. E, em termos deste índice, as alterações em relação aos números apresentados pelo reitor da USP são as seguinte: 1 - para repor os níveis salariais de maio de 93, o reajuste necessário é 17,85% e não 6,22%; 2 - com o reajuste proposto pelo Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) para maio/94, o salário corresponderia a 52,10% do de janeiro de 89 e não 88,7%. Em outras palavras, a perda é de 47,9% e não 11,3%.
O cálculo que o reitor apresenta em seu artigo baseia-se em (sub)estimativa, uma vez que os reitores apresentam simulações de comprometimento do orçamento com a folha de pagamento baseadas nas estimativas de arrecadação que têm mantido um erro, para menos, da ordem de 10% ou mais.
Por exemplo: no mês de março passado, o Cruesp assumiu uma arrecadação de ICMS em CR$ 419 bilhões. A Adusp previu uma arrecadação entre CR$ 500 bilhões e CR$ 520 bilhões. A arrecadação totalizada foi de CR$ 532 bilhões, superando, até mesmo, a nossa previsão. E toda a negociação se baseou na estimativa do Cruesp, que era 20% menor do que o realizado. Daí, a incorreção do ilusionista.
Além deste erro histórico e tendencioso, a reitoria sequer concorda consigo mesma. Segundo os Anuários Estatísticos da USP, o comprometimento com salários é da ordem de 75% dos recursos orçamentários. Se são considerados outros recursos repassados à USP (recursos de instituições de fomento à pesquisa ou a formação de recursos humanos, como Finep, Fundação Banco do Brasil, Fapesp e outras), aquele porcentual se mostra bem inferior a 70%.
Preocupados com questões como a discordância relatada, temos reivindicado reiteradamente que a reitoria administre a universidade com transparência. Por transparência, entendemos que todas as fontes de verbas sejam identificadas, a fim de que todos possamos usar as mesmas bases de cálculos.
Ainda com relação ao orçamento, temos outras preocupações. O limite que os reitores estabeleceram como tolerável para gastos com pagamento significa estagnação. Na USP, especialmente, a contratação de docentes e funcionários está congelada. Colegas que se aposentam ou se demitem não são substituídos, com graves prejuízos no atendimento às demandas sociais.
Não há aumentos significativos do número de vagas no terceiro grau público em São Paulo há muito tempo. No maior Estado da União, chegamos a ter na universidade pública (incluindo a Universidade Federal de São Carlos e Escola Paulista de Medicina) um aluno para cada grupo de 500 habitantes, quando a proporção, em outros Estados, é de um para 280 habitantes.
A pedido do Fórum das Seis, vários partidos políticos apresentaram emendas à proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias, feita pelo governo do Estado, elevando a dotação orçamentária para as universidades. Se é do interesse do reitor, como é do nosso, que as universidades estaduais de São Paulo cresçam em quantidade e qualidade, a solução, certamente, não é arrochar salários, mas aumentar verbas.
Denunciamos, sistematicamente, a sonegação de impostos e a evasão fiscal, como responsáveis pela deterioração dos serviços públicos, entre os quais a saúde e a educação são os mais atingidos. Gostaríamos de ter os reitores ao nosso lado nessa luta.
Quanto ao arrocho, novamente, o reitor faz um ilusionismo do melhor estilo: desvia a atenção para a crise tentando escamotear a realidade salarial das universidades estaduais paulistas. Em 94, temos o pior salário médio dos últimos 20 anos. Vamos aos fatos.
Tomando como referência o nível de um professor doutor (MS3), o salário pago pela USP em abril foi de 1.224 URVs. Nas universidades federais, um professor adjunto, nível comparável ao nosso MS3, recebeu, no mínimo, 1.600 URVs. Na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), o salário para um doutor em dedicação exclusiva foi de 3.600 URVs. Tudo isso em meio à mesma crise que o reitor aponta.
Finalmente, as palavras: o reitor afirma que para atingir o salário de janeiro de 89 (referência histórica para nossas reivindicações e conseguido após longa greve no final de 88) bastaria uma "diferença real"... "de pequena magnitude: 11,3%". Por outro lado, o aumento que foi concedido aos servidores docentes e não docentes, 8%, é considerado "ganho salarial significativo". Dois pesos, duas medidas...
Sem querermos nos tornar repetitivos, as ilusões nós criticamos; mas o ilusionismo, nós não permitimos. A atitude que esperamos do senhor reitor é a disposição de negociar, em vez de manipular números. Nossa proposta e nossa conduta são de outra qualidade, como mostra a exaustiva discussão da proposta de 8% que fizemos na última reunião entre o fórum e o Cruesp e depois com os docentes e funcionários em nossas assembléias.

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