São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 1994
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Trabalhos de Joan Mitchell vêm à Bienal de São Paulo

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

\<FT:"MS Sans Serif",SN\>Díptico sem título que estará na Bienal de São Paulo (alto) e dois pastéis (ao lado) da última fase da americana Joan Mitchell
Crédito Foto: Divulgação
Observações: COM SUB-RETRANCA
Selo: 22ª BIENAL
Trabalhos de Joan Mitchell vêm à Bienal de São Paulo
Se o impressionista francês Claude Monet (1840-1926) tivesse nascido entre os expressionistas abstratos americanos, o nome dele seria Joan Mitchell (1926-1992).
A própria pintora, que frequentou Franz Kline e Willem de Kooning nos anos 50 e terá uma sala especial na Bienal de São Paulo, em outubro, costumava se definir como "o último dos expressionistas abstratos", embora suas afinidades eletivas costumem ser detectadas sobretudo em Cézanne, Matisse e Vincent Van Gogh.
"Quando alguém perguntava o que significava um de seus quadros, ela brincava: `Você não está vendo? É Vinnie' (em referência ao pintor holandês)", disse o marchand Robert Miller à Folha, de Nova York, por telefone.
O trabalho de Mitchell que será apresentado na Bienal faz parte de uma exposição no Whitney Museum (NY), em 91, e representa a última fase de sua obra. São 20 pastéis e um díptico (trabalho composto por dois quadros) a óleo de grandes proporções.
"Ela trabalhou intensamente até o fim da vida, sem qualquer tratamento para seus problemas de saúde. Usou uma força interior inacreditável para realizar esses trabalhos, que representam a essência da integração entre natureza e abstração na sua obra", diz Miller que expõe Mitchell desde 89 e é o responsável pelo espólio da artista.
Mitchell morreu na França, onde vivia desde 59, de câncer no pulmão. O crítico Klaus Kertess cita em artigo publicado pela revista "Art in America" que, quando lhe perguntavam espantados como conseguia pintar telas tão grandes já com o estado de saúde bastante deteriorado, a artista respondia: "Apenas subi nesta porra de escada e disse para mim mesma: Esta pincelada tem que funcionar".
O poeta John Ashbery, que conviveu com Mitchell nos anos 60, em Paris, e publicou um livro de poemas com pranchas dela, a define como "a tough lady" (uma senhora durona). "Ela não jogava o jogo do mercado, não estava interessada em dinheiro", diz Miller.
Mitchell era conhecida por beber bem e tratar os amigos da mesma forma exigente, direta e crua com que se relacionava consigo mesma e com sua própria obra.
"Ela conseguiu levar a abstração com brilho e verdade até a última década do século 20. De Kooning e Cy Twombly, como ela, nunca caíram na mera decoração, mas também nunca atingiram a escala em pintura a que Joan Mitchell chegou com seus trípticos e quadrípticos. Ela nunca perdeu a energia e o compromisso com sua visão, sua relação com a natureza", diz Miller.
Essa "relação com a natureza" a que se referem os críticos quando falam de Mitchell é o que há de mais enigmático e misterioso nos quadros. "Não são abstrações da natureza; são visualizações de respostas à natureza", escreveu Kertess na apresentação dos pastéis na exposição do Whitney em 92.
A artista trabalhava com as grandes telas colocadas na parede e, segundo Kertess, afastava-se até o fundo do ateliê, após cada pincelada, para ter uma idéia do que tinha feito e de qual deveria ser o próximo passo –o que afasta a idéia de completa espontaneidade das composições.
O enigma está em saber que tipo de mecanismo se opera dentro dessas telas para que o espectador sinta-se diante de uma visão análoga à da natureza (uma impressão de harmonia onde não há nenhuma), sem que haja qualquer representação direta (apenas uma abstração gestual com cores e rabiscos).
Em 67, Mitchell comprou uma casa em Vétheuil (no campo, a 40 km de Paris), onde instalou seu ateliê. "O ateliê dela era fechado. Não dava para o campo que cercava a casa. Era um mundo fechado. A natureza dela é uma natureza interna", diz Miller.

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