São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 1994
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Actors of Cricot 2 defende teatro autônomo

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O 4º Festival Internacional de Artes Cênicas apresenta de hoje a domingo, no teatro Sesc Anchieta, o espetáculo "Maníacos – Their Master's Voice", do Actors of Cricot 2, grupo que vem dando continuidade ao trabalho do diretor teatral polonês Tadeusz Kantor, que morreu aos 75 anos em 1990.
Uma das personalidades mais importantes do teatro na segunda metade deste século, Kantor fundou o Cricot Theater em 1955, junto com os pintores Kazimierz Mikvlski e Maria Jarema.
Ex-artista plástico, Kantor era contra a cenografia convencional e a adaptação do texto. "Para Kantor, o teatro era uma expressão total, independente de outras artes e sem qualquer conexão com a literatura", explica Andrzej Welminski, pintor e ator do Actors of Cricot 2.
"Kantor não achava coerente que alguém não pertencente ao grupo realizasse a cenografia ou a música. Ele acreditava em uma unidade e, no lugar da cenografia, buscava a realidade", prossegue Welminski.
Questionando as fronteiras entre realidade e ilusão, Kantor procurava representar a si próprio. "Quero criar e não recriar; produzir e não reproduzir", dizia.
Para Kantor, o ator não era um executante mas o sujeito da obra, aquele que também criava o espetáculo. O diretor não dava ao ator um papel destinado de antemão.
Pelo contrário, exigia que o ator encontrasse a si mesmo, na totalidade da peça teatral.
Por essa razão, Kantor costumava incluir em seu elenco amigos e colaboradores, colegas pintores e às vezes os próprios espectadores.
No espetáculo "Wiepole, Wiepole", por exemplo, apresentado em 1980, um dos personagens era interpretado pelo camponês de uma aldeia, que representava a si mesmo.
Esse conceito de realidade livre de ilusões encontrou eco nos "readymades" de Marcel Duchamp. Assim como os fragmentos de realidade criados por Duchamp, também a arte povera se enquadrou no teatro de Kantor.
O espetáculo que o Actors of Cricot 2 traz a São Paulo é de autoria de Zbignlew Bednarczyk, ator e um dos pintores mais respeitados da Polônia.
"É a segunda peça realizada pelo grupo desde que decidimos dar prosseguimento às concepções de Kantor", afirma Welminski.
"Trata-se de um mosaico não linear, que se desenvolve mais na forma do que na ação. Não é extamente o que se conhece do trabalho de Kantor. As similaridades acontecem naturalmente, pois no elenco há pessoas que conviveram com Kantor de 10 a 20 anos."
"Maníacos" se desenvolve num espaço separado por uma parede de cartão, que cria a relação básica do antes e do depois. Em uma viagem fantástica e absurda, os personagens são como fantasmas de um universo perdido.
Cada elemento cênico tem um significado. O quarto escuro seria a consciência humana. O bastão representa o prolongamento dos sentidos do homem e o peru, como ave que não pode voar, simboliza as aspirações frustradas.
Apesar da profunda relação com o universo de Kantor, o atual trabalho do Actors of Cricot 2 apresenta elementos novos. "A continuidade não é estática mas dinâmica. Implica em transformação no tempo e no espaço", comenta Welminski.
"Hoje nossas performances são polifônicas, enquanto as de Kantor, muito autobiográficas, eram monofônicas. Nós não somos o Cricot, nome que identificava e pertencia a Kantor. Somos os Atores do Cricot."
Welminski salienta que o Cricot Theater nunca foi uma instituição, mas um grupo artístico independente, que reúne artistas em geral, especialmente pintores que também se realizam como atores.

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