São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Três cenários para privatizar o setor elétrico

DANILO DE SOUZA DIAS; ADRIANO PIRES RODRIGUES

DANILO DE SOUZA DIAS e ADRIANO PIRES RODRIGUES
Os recentes desdobramentos envolvendo o novo modelo institucional do setor elétrico brasileiro parecem sugerir a adoção de uma fórmula flexibilizadora e engenhosa que, a princípio, objetivaria driblar as principais limitações legais e contextuais que, até agora, vêm impedido a entrada do setor no programa de privatizações do governo federal.
De fato, a enorme reação corporativa frente a mudanças, a presença, até pouquíssimo tempo, no Ministério das Minas e Energia, do "grupo mineiro", altamente reativo e refratário a quaisquer alterações no "status quo" e a inércia do processo legislativo, no que tange à aprovação de uma lei de concessões regulamentando o artigo 175 da Constituição, foram fatores mais do que suficientes para obstar, até aqui, transformações no marco legal e institucional do setor.
Obstada a reforma do setor pela via mais natural, qual seja, aquela assentada na revisão do modelo de concessões vigente, aventou-se a possibilidade de encaminhar a questão através de um atalho que explorasse o fato de a Eletrobrás ser uma holding de capital aberto, o que viabilizaria a venda, cisão, incorporação ou fusão das empresas a ela subordinadas.
Em outras palavras, em nome da "Realpolitik", relegar-se-ia a segundo plano a questão das concessões para, no mercado de ações, realizar as transferências de ativos que irão oxigenar o velho e saturado modelo do setor elétrico brasileiro.
É essa a idéia subjacente aos rumores apontando para a criação da Eletrobrás Participações S/A (Eletropart) –holding que deteria as participações acionárias de Furnas, Chesf, Eletrosul e Eletronorte. No novo arranjo, a parte empresarial separar-se-ia portanto, da parte operacional, que permaneceria sob a tutela da Eletrobrás, administrando o Sintrel, participando do capital de Itaipu, controlando a Nuclebrás e mantendo as atividades do Centro de Pesquisas (Cepel), além de funcionar como banco de investimentos para o setor.
Esta proposta é, como dissemos, criativa, pois consegue superar o impasse criado em torno da lei de concessões, e flexibilizadora, pois cria as condições para a implementação de um novo modelo, seja ele qual for.
Em princípio, três cenários básicos poderiam ser visualizados para o Brasil caso a proposta viesse a ser adotada. No primeiro, a lei de concessões, tanto tempo embargada, seria finalmente aprovada, criando, nesse momento, um marco legal e licitatório que, por preceder toda e qualquer outra iniciativa, acabaria tornando inócua a própria criação da Eletropart, pois o elemento determinante da entrada de capitais privados no setor seria a sua participação nas novas licitações e naquelas oriundas da caducidade das concessões vigentes e não a compra de participações acionárias.
Ao contrário, ou seja, caso o setor elétrico fosse retirado do atual projeto de concessões em tramitação no Senado para posteriormente a ele ser aplicada legislação específica não colidindo com a proposta da Eletropart, duas situações poderiam ser vislumbradas.
No cenário positivo, seria definido um modelo onde o capital privado participasse ativamente do segmento de geração (mantido como está o Sintrel) e promover-se-ia a cisão das empresas da Eletropart em diversas unidades de negócio (blocos de ativos), as quais seriam vendidas, passo a passo, no mercado acionário. Esclareça-se, desde logo, que esta sistemática difere dos atuais leilões de privatização e permitiria a maior pulverização do controle das unidades privatizadas.
Mas é o último cenário que poderia suscitar ao observador mais atento e, sobretudo, mais calejado pela tradição "conciliatória" de nosso país, um grau maior de preocupação. Na verdade, nossa história recente é rica em exemplos de planos de estabilização que, no final das contas, desestabilizam, de revisões constitucionais que deixam incólumes os verdadeiros entraves institucionais, enfim, de transformações que em nada modificam a cena do país.
Nesse sentido, a criação da Eletropart poderia conduzir a um modelo onde o Estado apenas abriria, em Bolsa, o capital do setor, mantendo o seu controle efetivo, à semelhança do que hoje ocorre na Vale do Rio Doce e no sistema Telebrás.
Neste processo –já anteriormente por nós denominado de "estatização da poupança"– nada é, estruturalmente, modificado, além de implicar a venda de patrimônio a preços significativamente deprimidos.
Fique registrado, então, destes comentários, um elogio às atuais autoridades do setor, que vêm tentando romper o imobilismo que há anos relega o setor elétrico a uma condição de completa insolvência financeira. Fique registrado, também, um alerta para que estas medidas não sejam, uma vez mais, devidamente absorvidas pelo "status quo", transformando-se em meras alterações de fachada que, na realidade, perpetuarão a crise e aprofundarão os riscos de colapso do sistema.

ADRIANO PIRES RODRIGUES, 35, é doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13.
DANILO DE SOUZA DIAS, 37, é doutor em economia de energia pelo Instituto Francês de Petróleo.
Os autores são professores do Programa de Planejamento Energético da Coordenação dos Programas de pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).

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