São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Em defesa do setor elétrico nacional

ENIR SEVERINO DA SILVA

Ao apagar das luzes, o governo federal anuncia o adiamento da proposta de privatização do setor elétrico. Segundo a Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização, devido à complexidade do processo, a privatização não sairá este ano. O Executivo concluiu que caso as empresas de energia fossem vendidas aleatoriamente, isso poderia resultar em falta de eletricidade nas regiões onde às companhias distribuidoras não são lucrativas.
A estratégia a ser adotada agora pelo governo é a divisão do setor em três áreas distintas: geração, transmissão e distribuição de energia que passariam a ser coordenadas por uma nova autarquia ou empresa. Esta estatal seria responsável pelas funções de planejamento e coordenação do sistema elétrico, incluindo a tarefa de fixar tarifas.
A proposta do Executivo, sustentada por teses neoliberais nem sempre bem sucedidas, poderá significar o sucateamento do setor elétrico no Brasil. Esse é um assunto que merece análise detalhada, num contexto amplo.
Nas sociedades modernas, as atividades comerciais e de cunho produtivo são exercidas exclusivamente pela iniciativa privada. Cabe ao Estado os serviços essenciais e que não resultam em lucro diretos. Ou seja, em países tidos como modelos de desenvolvimento, as estatais objetivam atender às necessidades da população sem visar esses lucros.
Exemplos típicos são a França e a Suíça, nas quais os serviços de eletricidade são inteiramente exercidos pelo Estado. E com eficiência. Já nos Estados Unidos, as empresas de eletricidade são consideradas produtivas e, por consequência, são exploradas pela iniciativa privada, embora o Estado exerça severo controle.
No Brasil, experimentamos os dois modelos e podemos afirmar que o país ganhou com a estatização. Senão vejamos. Ainda está na memória de muita gente a época dos blecautes, onde muitos bairros e regiões ficavam sem energia por algum tempo.
Administrada por empresas privadas por mais de 60 anos, o sistema elétrico brasileiro não avançava, apesar da total liberdade que as empresas tinham para atuar. As concessionárias de energia dessa época instalaram menos de 10% da atual potência instalada do país.
Com o surto de desenvolvimento na indústria nacional nas décadas de 50 e 60 e o aumento desordenado da população urbana, o sistema tornou-se cada vez mais insuficiente para atender a demanda. Para evitar o caos que se anunciava, o governo iniciou a construção das grandes hidrelétricas e passou a intervir sistematicamente no setor, fazendo com que o sistema elétrico brasileiro se tornasse um dos maiores do mundo, atingindo uma capacidade instalada de 52 mil megawatts. Assim, é fácil entender qual sistema se adapta melhor as reais condições do Brasil.
É importante destacar que as usinas geradoras de energia no Brasil são, na sua grande maioria, hidrelétricas que não necessitam de combustível para operar, tendo apenas um custo operacional. O maior investimento é concentrado na construção de usinas e isso o Estado já fez. Não é difícil entender por que alguns grupos privados têm interesse em assumir o controle do setor elétrico.
Convencidos de que a idéia de privatização da Eletrobrás não beneficiará o setor elétrico e muito menos a população, os eletricitários propõem a elaboração de leis ordinárias e institucionais que garantam a definição de um modelo institucional para o setor elétrico, que estabeleça de forma clara e objetiva a função de cada um de seus agentes.
A participação do capital privado, respeitadas as condições para outorga de concessão e a indispensável regulamentação, será bem vinda, de forma a complementar a ação do Estado em programas de co-geração, autogeração, conservação e geração térmica. Existem hoje no país 19 usinas com cronogramas de construção comprometidos por falta de verbas. É um bom momento para a iniciativa privada iniciar sua participação no setor.

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