São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Argélia sofre por falta de cultura democrática

NADJIA BOUZEGHRANE
DO "EL WATAN"

Djamal Eddine Bencheikh, professor de literatura árabe no Collège de France, oferece sua leitura do drama vivido pela Argélia hoje, fazendo frequentes incursões no passado da França e do Magreb (norte da África).

Pergunta - Como o senhor interpreta o assassinato de intelectuais na Argélia, incluindo o último assassinado, Youcef Sebti, que conheceu pessoalmente?
Resposta - Sebti não era um alvo intelectualmente importante, mas ao assassiná-lo os terroristas mataram uma razão de ser. Youcef Sebti era a própria fragilidade, o símbolo da ilusão democrática. Se houvesse uma cultura democrática, o único que não teria sido tocado era ele, por ser o mais fraco.
Pergunta - O sr. acha que a democracia é antes de mais nada uma cultura?
Resposta - A democracia não se decreta. É preciso haver um substrato cultural, intelectual, econômico... A democracia nasceu em Atenas, com os filósofos. A Revolução Francesa foi alimentada pelos filósofos.
Pergunta - Como o sr. vê o futuro imediato da Argélia?
Resposta - O Exército e os fundamentalistas vão se entender. Eles estão encostados na parede. Eles vão proceder a uma depuração, eliminar os "indesejáveis".
Pergunta - Os islâmicos se contentarão com uma partilha do poder?
Resposta - A história do norte da África, desde o século 8, é uma sucessão de batalhas, de guerras pelo poder em nome do Islã.
Segundo o conceito de Ibn Khaldoun, "açabiya" (espírito de grupo), ganha quem é mais forte.
Esse espírito de grupo vai governar até que se dissolva e seja substituído por outro. Não vejo quais são as forças que poderiam regrar ao mesmo tempo o governo despótico, corrompido, assassino que temos há 30 anos e que poderiam se opor à tomada do poder pelos fundamentalistas, que atuarão do mesmo modo.
Assim que eles chegarem ao poder vai acontecer a mesma coisa que acontece no Afeganistão, isto é, uma guerra civil entre islâmicos. O primeiro governo provisório da Argélia era democrático. Houve um pensamento democrático no início do século. Essa cultura foi varrida, expulsa.
Pergunta - Como o sr. avalia a atitude dos países ocidentais?
Resposta - Não se deve esperar nada do Ocidente. A guerra do Golfo mostrou quais foram as razões da intervenção americana.
Foram eles que armaram os afegãos e também os argelinos que estavam entre eles. No que diz respeito à França, que não tem mais política árabe, ela reconheceria em 24 horas um governo islâmico que lhe desse as garantias econômicas necessárias.
Não se deve sonhar. A composição da democracia francesa é permeável a todos os imperialismos econômicos e sociais.
São as multinacionais que governam o destino do mundo. Não é Voltaire. Mas o equilíbrio está concretizado.
Na França existe um nível de tolerância ao que se escreve ou fala. Existem organismos constituídos que têm grande consciência de sua responsabilidade.
Essa cultura democrática definiu as regras. Como pode-se querer construir uma democracia sem organismos autônomos constituídos, como magistratura, imprensa, Universidade?
Pergunta - Mas existem pessoas íntegras e competentes na Argélia que militam em prol de uma república democrática.
Resposta - Como você mesmo disse, há pessoas, mas não organismos constituídos; indivíduos, mas que não acionam circuitos.
Pergunta - Acha que a situação da Argélia é desesperadora?
Resposta - No meu ponto de vista, a situação da Argélia não é tão má quanto a do Egito, por exemplo. A Europa, e a França especialmente, jogam abertamente com a Argélia.
O problema não é saber se a Argélia deve ser muçulmana, mas será que é preciso que ela seja muçulmana do modo que a FSI (Frente de Salvação Islâmica) quer que seja? Já conhecemos a FSI por seu passado.
Os almohades (soberanos bérberes que reinarem sobre o conjunto do norte da África e metade da Espanha entre 1147 e 1269) eram fundamentalistas.

Tradução de Clara Allain

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