São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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A política salarial das universidades

HÉLIO NOGUEIRA DA CRUZ

O andamento das negociações salariais das universidades estaduais paulistas demonstra as dificuldades de equacionamento dos salários em um país com altíssima taxa de inflação, à beira de um programa de estabilização e em um ano de grande densidade eleitoral. A grande volatilidade do panorama econômico conflita com a necessidade de parâmetros mais estáveis para os salários.
A proposta do Cruesp estabelece o crescimento dos salários de 8% sobre a URV em maio, o que implica o comprometimento, em URV, com a folha de pagamento, de 90,16% na média das três universidades –89,53% para a USP, 88,04% para a Unicamp e 93,42% para a Unesp.
Este comprometimento é muito elevado em relação aos padrões históricos, particularmente nas condições de inflexibilidade que a URV impõe aos salários. Essa política recupera o pico salarial de maio de 1993 (medido pelo índice Fipe) com o reajuste de 6,22% e repõe perdas salariais passadas de 1,68%. Trata-se dos melhores salários desde novembro de 1990, avaliados pelo índice Fipe.
Propõe adicionalmente que não haja perdas salariais na transição da URV para o real, ao garantir a diferença entre a URV até o dia 30 (estimada em cerca de 33%) e a variação da Fipe da última quadrissemana (cerca de 44%). Este mecanismo levará a um aumento salarial em URV de 8,27%, que será adicionado aos salários creditados no início de julho.
Ademais, o Cruesp oferece dois abonos, a serem creditados em julho e agosto, correspondentes à diferença entre a variação dos reajustes salariais e a variação do ICMS em junho e julho. É um seguro contra as instabilidades do ambiente macroeconômico.
A postura do Cruesp, por si, já revela uma estratégia de minimizar a instabilidade das contas das universidades e da massa salarial. Compromete-se ainda a rever sua política salarial em agosto, quando o real já tiver demonstrado seus efeitos sobre a economia e particularmente sobre o ICMS.
Por outro lado, o Fórum das Seis Entidades propõe reajustes salariais muito elevados. Inicialmente estabelecia o patamar de URV + 37%, alterado para URV + 27% em maio e a negociação do resíduo da reivindicação original de junho a novembro de 1994.
Provavelmente, estas reivindicações não somente buscam a recuperação de patamares de salários reais anteriores como querem se precaver de quedas associadas às mudanças econômicas que certamente ocorrerão nos próximos meses.
Evidentemente, as entidades não desconhecem que mesmo a reivindicação de 27% acima da URV levaria ao comprometimento dos recursos financeiros com a folha de pagamento a níveis muito elevados.
Por exemplo, caso o ICMS cresça 3% em 1994, o comprometimento salarial anual, em dólares, seria de 100,95% e, na hipótese mais favorável de crescimento de 6% do ICMS, o comprometimento seria de 97,91% na USP.
Grande parte do debate está associado às diferenças de estratégias para se posicionar num ambiente tão instável. A própria volatilidade das variáveis macroeconômicas cria grandes barreiras para enxergar além do véu monetário. Três exemplos merecem ser destacados:
a) as dificuldades de medir o fenômeno inflacionário (índice Fipe ou Dieese para avaliar perdas salariais) são decorrentes mais da instabilidade dos preços que de critérios técnicos.
b) Outro aspecto importante é a polêmica sobre as diferentes estimativas de arrecadação do ICMS que são feitas pela Secretaria da Fazenda e pelas assessorias técnicas das reitorias e das entidades.
Grande parte das divergências entre elas decorre de diferentes metodologias para apreender o fenômeno inflacionário e os efeitos dos programas de estabilização sobre o PIB.
c) Finalmente, e ainda mais importante, existe o debate sobre o grau de comprometimento de recursos com a folha de pagamento considerado aceitável.
Quando as alterações provocadas pela iminência de um programa de estabilização eram menos radicais e a taxa de inflação era menor, o parâmetro de 85% era tido como limite superior aceitável, momentaneamente, pelo Cruesp, em condições de salários pouco favoráveis como os atuais.
Hoje, a possibilidade de queda fortíssima de inflação implica que os salários não poderão estar em níveis incompatíveis com o equilíbrio financeiro das universidades. Caso contrário, poderão ser inviabilizados os gastos de custeio e até a capacidade de honrar os pagamentos dos salários, comprometendo a operação das universidades.
À beira de um programa econômico como o que vai implantar o real, exige-se uma postura equilibrada para evitar danos maiores. A melhor estratégia parece ser a de não mergulhar em trajetórias que não ofereçam possibilidades de reposicionamento e manter a flexibilidade para promover todas as alterações de transcurso que se revelarem indispensáveis. Ou seja, as frequentes e penosas negociações do Cruesp continuarão necessárias por alguns meses ainda.
É importante manter os canais de comunicação abertos, reduzindo os ruídos que um ambiente externo, por si muito conturbado, trazem para o estabelecimento das condições para a criação de uma nova política salarial.
A disposição para o diálogo, por meio de propostas viáveis, é a melhor garantia da minimização dos possíveis sobressaltos que a conjuntura macroeconômica poderá oferecer. O percurso certamente ainda será longo e com grandes desafios, que, afinal, representam, etapas da construção de nossas universidades.

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