São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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O sindicato das mulheres

MARTA SUPLICY; ROSE MARIE MURARO

Erramos: 31/05/94
Por erro de digitação, a porcentagem 85% foi trocada por 65% neste artigo. A frase correta é: "Talvez porque nos EUA, onde o feminismo tem atuado como o sindicato das mulheres, elas atinjam 85% do salário de um homem pelo exercíicio do mesmo trabalho. Bem distante da realidade brasileira, na qual a mulher ganha 55% do salário do homem".
O sindicato das mulheres
A sociedade ainda não percebeu as mudanças provocadas pela mulher no mercado de trabalho
MARTA SUPLICY e ROSE MARIE MURARO
Os dados são contundentes. No início dos anos 70, a porcentagem de mulheres na força do trabalho mundial era de cerca de 30%. Este número salta para cerca de 50% no começo dos anos 90 (dados da Organização Internacional do Trabalho). O final do século 20 registra dois grandes marcos: a transformação dos regimes do Leste Europeu e a mudança na relação entre os dois sexos.
A partir de 1921, as mulheres adquiriram o direito ao voto em 21 países. No Brasil, em 1936. Esta participação civil não trouxe mudanças imediatas para as mulheres que, pouco motivadas, quase não participaram da primeira possibilidade de votar. Muito mais teria que ocorrer para a mulher adquirir plena cidadania.
Nos países onde o movimento feminino é mais organizado, os dados mostram o que este movimento pode fazer pela mulher e como um bom número delas tem esta consciência.
Segundo a revista "Diálogo", publicação da embaixada dos EUA no Brasil (janeiro de 1994), 56% das norte-americanas se assumem como feministas. Entre as mulheres negras, esta cifra atinge 65%. Por que? Talvez porque lá, onde o feminismo tem atuado como o sindicato das mulheres, fazendo por elas o que o sindicato dos trabalhadores faz pelo operário, elas atinjam 65% do salário de um homem pelo exercício do mesmo trabalho. Bem distante da realidade brasileira, na qual a mulher ganha 55% do salário do homem, perto dos 57% que as norte-americanas ganhavam em 1970.
As mulheres são 41% dos administradores dos EUA e possuem 5 milhões de firmas pequenas e médias que empregam mais que as 500 maiores empresas listadas pela revista "Fortune". Segundo o "Bureau of Labor Studies", os negócios em geral nos EUA cresceram 65%. Os das mulheres, 129%.
Na Finlândia, segundo Patrícia Abuderne, no livro "Megatendências para as Mulheres", as mulheres ocupam 38% dos cargos políticos, enquanto no Brasil, por São Paulo –o maior Estado contribuinte e eleitoral da União– temos uma deputada federal, Irma Passoni (PT). A Câmara dos Deputados possui um total de 503 representantes, sendo que somente 28 são mulheres. E, no Senado, temos duas senadoras, entre 81 homens.
E o feminismo não é importante? Está em decadência?
Tem sido grande o empenho da grande imprensa em endeusar novas "teóricas" antifeministas, como Camile Paglia ou Helen Fisher, que deslocam o núcleo do problema feminino do poder para o sexo. Ou a publicação de reportagens e artigos desqualificando o feminismo como algo ultrapassado e sem sentido atual.
Não se queimam mais sutiãs há quatro décadas e muito foi conquistado neste período. No Brasil, a mulher adquiriu cidadania diferente do silvícola e do pródigo (1962) e o casal passou a exercer conjuntamente a chefia conjugal (1988).
Entretanto, a vida no mundo privado e as oportunidades para a mulher ainda não são o que desejamos. O movimento de organização e a conscientização das mulheres e o estudo de sua condição ainda são vitais para que ocorram estas transformações.
Parece que a dificuldade na compreensão da importância deste movimento para as mulheres está nos inúmeros pontos descritos pelo livro "Backlash", de Susan Faludi, que mostra o papel da mídia nos últimos anos em tentar reverter as conquistas femininas.
Este best seller mostra desde pesquisas fabricadas ou mal-interpretadas, inclusive por universidades da seriedade de Harvard, até como a mídia se organiza para desqualificar o movimento de mulheres quando elas ameaçam ganhar algum terreno importante.
Esta pesquisa de Harvard, feita em 1986, afirmava a "falta de homem" e a diminuição de oportunidades de casamento para a mulher. Quando, na verdade, as estatísticas mostravam que uma mulher de nível universitário, solteira, aos 30 anos tem uma chance de 20% de se casar, com 35, uma chance de 5%, e com 40, não mais de 1,3%.
Como consequência, uma pesquisa realizada pela "Mark Clements Research" mostrou que, um ano após o estardalhaço causado pela pesquisa de Harvard, havia dobrado o número de mulheres solteiras que tinham medo de não se casar (14% para 27%) e, entre as mulheres de 25 e mais velhas, o grupo incluído na pesquisa, este medo tinha aumentado 39%. Um belo estrago na autoconfiança das mulheres.
Entretanto, a sociedade ainda não tomou consciência das mudanças que a entrada da mulher no mercado de trabalho tem provocado. A mulher exerce uma liderança que não é piramidal, com força na autoridade, trata os subordinados de forma mais humana e se interessa mais por eles.
Como resultado, têm ocorrido o aumento de produtividade, lucros maiores, menor sabotagem e empregados que vestem a camiseta da empresa. A mulher propõe um mercado em que a lei não é mais do ganha-perde, competitiva, violenta e sim a do ganha/ganha, de parceria integradora.
Quanto ao Estado, a mulher traz a supressão das relações verticais autoritárias e corruptas pelas horizontais, onde a sociedade civil organizada passa a controlar o Estado de baixo para cima, o que é a verdadeira democracia.
Aliás estas são as duas condições essenciais para mudar os atuais padrões de desenvolvimento de predadores e concentradores de renda para outros mais solidários e sustentáveis.
Por isso, fica a pergunta: diante desta perspectiva, será que o feminismo está fora de moda ou a desqualificação sistemática que ele está sofrendo não será resistência dos velhos padrões que não querem morrer?

MARTA SUPLICY, 49, psicanalista, é membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e coordenadora do GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual).
ROSE MARIE MURARO, 63, é escritora e diretora da Editora Rosa dos Tempos.

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