São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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Cutolo mostra virtuosismo no barroco francês

WILLIAM LI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A cravista brasileira Maria de Lourdes Cutolo, professora de música barroca na Escola de Música de Brasília, apresentou-se anteontem à noite no auditório do Instituto Goethe de São Paulo.
Maria de Lourdes, que residiu na Europa de 1976 a 1984, foi iniciada no cravo por Roberto de Regina e estudou com alguns dos maiores cravistas europeus, como Huguette Dreyfus, Hugo Ruf, Kenneth Gilbert e Gustav Leonhardt. O recital apresentou um panorama da música para cravo dos séculos 16 ao 18.
A primeira peça apresentada foi a "Fantasia Cromática", do holandês Jan Pieterszoon Sweelinck (1562-1621), em que Cutolo mostrou todo o seu talento, desenvoltura e espontaneidade. No entanto, a interpretação esteve um pouco delicada e suave para um compositor nórdico, que ela tocou de uma maneira afrancesada.
Aliás, o instrumento utilizado no recital foi um cravo Hubbard, cópia de um modelo francês Taskin do século 18. A música de Sweelinck soa melhor num cravo Ruckers.
A segunda peça foi "Vingt-sixiéme Ordre", de François Couperin (1668-1733). Aí, Cutolo estava em seu mundo e conseguiu evocar toda a atmosfera da corte de Versalhes da época de Luís 14. Cutolo se saiu muito bem nas complicadas ornamentações da música de cravo francesa e fez um bom uso dos diversos registros do cravo e dos diferentes timbres dos dois teclados. Sem dúvida, a música barroca francesa é o seu forte.
Isso pôde ser comprovado em suas interpretações de Bach ("Prelúdio e Fuga em lá menor BWV 894" e "Suíte Inglesa em lá menor BWV 807"). Não se pode negar que Cutolo é uma virtuose do cravo. Mas o seu Bach é temperamental, pouco sóbrio, extravagante até.
Na "Fuga do BWV 894", ela se atrapalhou. Na "Suíte Inglesa", sentiu-se a falta dos baixos, e além disso ela inventou "rubatos" (bem no estilo francês) que não existem na obra de Bach.
Creio que Bach deve ser mais preciso e geométrico. Enfim, Cutolo toca Bach como um francês tocaria. Não se pode negar a sutileza e o requinte da interpretação francesa, mas faltou em seu Bach algo da precisão germânica.
O recital terminou com duas "Sonatas" (K. 420 e K. 421) de Domenico Scarlatti (1685-1757), que foram executadas com excepcional brilho e virtuosismo, bem no estilo de Huguette Dreyfus. Enfim, pode-se dizer que Maria de Lourdes Cutolo é uma cravista mais voltada à escola francesa e italiana, cujos compositores ele interpreta com brilho e virtuosismo. Quanto aos holandeses e alemães, ela requer um pouco mais de precisão matemática.

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