São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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Imprensa e seleção

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Primeiro, foram os políticos. Ibsen Pinheiro, em sua despedida, alertou os antigos colegas para o fato de o Congresso estar se tornando refém da imprensa. Agora, são os jogadores da seleção nacional, aborrecidos com o jornalismo investigativo que nada poupa de suas vidas particulares, de suas manias e preferências.
O sintoma é claro: em nome do direito de informar, parte da imprensa que se dedica a esse tipo de investigação acha que é do seu direito saber a que horas Romário vai dormir, se usa ou não camisinha, se prefere transar dessa ou daquela maneira.
Evidente que Romário –ou qualquer outro jogador– acha que a parcela de sua vida pessoal que interessa ao público é a sua forma física e técnica, aquilo que ele faz dentro do campo. Os problemas disciplinares são de competência da comissão técnica e, bem ou mal, ele se submete a elas. O resto é a pura privacidade a que qualquer cidadão tem direito.
Contam-se histórias a respeito de farras dos jogadores da seleção em temporadas passadas. Garrincha pulava janelas e ia às mulheres –teve até uma filha com uma sueca. Isso não impediu que trouxéssemos a Copa de 58.
Sente-se o mal-estar entre a seleção e os jornalistas. Afinal, a função da imprensa é ingrata. Ela passa dias, semanas e meses esperando os grandes eventos. Para encher esse tempo de espera, os pauteiros da editoria de esporte "criam" reportagens e botam a tropa na rua. Ganha quem trouxer o melhor assunto. Assunto que, na entressafra dos campeonatos, nada tem a ver com o futebol em si. Esse o impasse.
A solução seria dar gelo na seleção. Ignorar as miudezas das concentrações, das taxas de colesterol de cada um e só ficar na parte realmente pública dos jogadores, vale dizer, os 90 minutos em que estarão jogando.
Uma impossibilidade óbvia: o povão quer saber tudo e a função da imprensa é informar esse tudo. Não se chegando a um acordo, todos acabarão perdendo: nem os jogadores serão valorizados pela conquista do título nem a imprensa venderá tanto.

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