São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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Lula e a coisa justa

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Ao desancar a lei eleitoral, desrespeitando-a e agredindo-a verbalmente, Lula torna-se um terrorista da inteligência. O candidato dinamita a lógica cada vez que sobe num carro de som de sindicato. Ele explode o bom senso sempre que tenta se explicar.
Abro um rápido parêntese para dizer que tenho simpatias pelo que disse Lula. De fato, há leis que valem tanto quanto um casaco de pele no deserto. Em alguns casos, "a coisa justa", como diz Lula, pode valer mais que determinado texto legal.
Em geral, uma lei passa a ser questionada quando, após algum tempo de vigência, demonstra-se inútil ou inviável. Pode-se questionar também uma legislação de origem espúria. Este não é o caso da lei eleitoral, uma recém-nascida, uma lei-neném.
Eis o ponto que desejo realçar: o PT participou do parto. Sim, os petistas votaram a favor. Volto ao ponto inicial: ao questionar a lei que seu partido acaba de ajudar a aprovar, Lula embosca a inteligência.
O projeto passou por voto de liderança, num processo de votação em que os líderes costumam falar em nome de suas bancadas. A propósito, o PSDB de Fernando Henrique, outro que arranha a lei, também votou a favor.
Afirmei que tinha simpatia pelas palavras de Lula e sinto que devo um exemplo de lei ilegítima: a legislação de imprensa. Está aí uma lei obsoleta, antiga, inadequada, uma lei-múmia. Feita sob o tacão do regime militar, ela impede, por exemplo, que alguém prove na Justiça o crime de um presidente da República.
O que me diferencia de Lula é o fato de que não sou candidato a coisa alguma. Posso falar o que me vem à cabeça. Lula, ao contrário, demonstra um perigoso instinto suicida.
Suponha, para efeito de raciocínio, que o candidato petista vença as eleições. Imagine agora que, passados alguns meses, um grupo de militares chegue à conclusão de que sua administração não é justa, não serve para o Brasil.
Como exercício final de reflexão, suponha que esses militares decidam promover uma intervenção, derrubando o presidente. Lula invocará a Constituição. Seus algozes dirão: entre a lei e a coisa justa, ficamos com a coisa justa.

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