São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Argentina já privatiza água, esgotos, metrô e estradas

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Depois de vender suas estatais, o governo argentino expande agora a privatização dos serviços públicos. Já estão sob controle de concessionárias privadas a distribuição de energia elétrica, estradas, o metrô e o serviço de águas e esgotos da Grande Buenos Aires, com 9 milhões de habitantes.
O serviço de águas e esgotos é um caso considerado exemplar pelo governo. Está entregue a uma concessionária privada -Águas Argentinas- desde abril do ano passado. Nesses 13 meses, a concessionária investiu US$ 100 milhões em obras de recuperação.
Pela primeira vez desde 1979, não faltou água em Buenos Aires no mês de março.
O consórcio Águas Argentinas é liderado pela multinacional francesa Lyonaise des Eaux-Dumez, uma companhia com ações em Bolsa, que opera serviços de águas e esgotos em mais de 40 países, nos cinco continentes.
Ganhou uma concorrência apertada. O processo de privatização levou dois anos. Ao final, restaram quatro concorrentes, consórcios formados por empresas com igual capacidade técnica e financeira.
O critério de desempate foi um achado. Ganhava o consórcio que oferecesse a maior redução de tarifa em relação à vigente. Foi cabeça a cabeça. A tarifa proposta por Águas Argentinas foi apenas 1% inferior à do segundo colocado.
Outra decisão importante do governo argentino foi outorgar a concessão sem cobrar um centavo. Águas Argentinas recebeu de graça a rede de 11 mil quilômetros de água e 8 mil de saneamento, em regime de comodato, por 30 anos, ao cabo dos quais deverá devolver tudo ao governo, inclusive os melhoramentos.
O consórcio não pagou nada pelo direito de usar a rede porque isso faria aumentar o preço da tarifa, explicou o ministro da Economia, Domingo Cavallo, em seminário em Buenos Aires. É lógico: a concessionária precisaria se ressarcir do preço pago.
Em vez disso, o governo argentino colocou no contrato de concessão uma exigência de investimentos e metas de expansão da rede. Águas Argentinas assumiu o compromisso de aplicar US$ 4 bilhões nos 30 anos.
O serviço é fiscalizado e controlado por um pequeno órgão do Ministério da Economia, formado por 50 funcionários e inteiramente financiado por uma porcentagem da tarifa. O órgão tem poderes para multar, definir aumentos de tarifas e, no limite, cassar a concessão.
É por isso, aliás, comentou Cavallo, que, no serviço público, um monopólio privado é melhor do que um estatal. Este, parte da máquina do governo, é, na prática, incontrolável pelo governo. Mesmo porque não existe a risco de perda da concessão.
Já diante do monopólio privado, o governo tem efetivo poder de polícia e capacidade política de controle, dada a possibilidade sempre presente de trocar o concessionário.
Em São Paulo, por exemplo, o governo pode cobrar produtividade da Sabesp. Mas se esta, em vez de ganhar eficiência, solicitar aumento de tarifa, o governo fica sem saída. Se negar, a companhia tem prejuízo e o governo tem que cobrir. Logo, a conta vai para os consumidores.
Novidades
As concessionárias de serviços públicos na Argentina, em geral, são associações de empresas, sempre incluindo companhias estrangeiras. Não é por acaso. A privatização de serviços públicos está largamente desenvolvida nos Estados Unidos e Europa.
A Argentina está importando essa experiência, à qual acrescenta novidades locais. Recentemente, por exemplo, o governo multou duas concessionárias de energia elétrica, por sucessivos cortes de luz e variação de tensão.
A multa foi pesada, US$ 4 milhões para cada concessionária, e a forma de cobrança é uma proteção ao consumidor. Em vez de pagar a multa ao governo, as concessionárias devem conceder descontos nas contas dos usuários.
Estradas
No próximo 1º de junho, a construtora brasileira CBPO toma posse de uma estrada de 55 quilômetros na área da Grande Buenos Aires, por onde circulam 175 mil veículos por dia.
Durante 22 anos e oito meses, a CBPO tem concessão para operar a estrada - chamada Acesso Oeste. A operação inclui, além de manutenção, socorro mecânico e médico, obras de reforma e prolongamento de oito quilômetros na chegada a Buenos Aires.
Nos primeiros dois anos e oito meses, o consórcio formado pela CBPO precisa investir US$ 220 milhões nessa estrada. Vai recuperar o investimento, pagar os bancos e fazer lucro cobrando pedágio de 1 dólar por carro, o que deve proporcionar um faturamento anual de US$ 50 milhões. Mas o pedágio só poderá ser cobrado depois de concluídas as obras de reforma e prolongamento.
O preço do pedágio decidiu a concorrência. O consórcio organizado pela CBPO -com as construtoras Benito Roggio, argentina, e GMD, mexicana- ganhou por exatos 5 centavos. O segundo colocado propos US$ 1,05.
O ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, empenhou seu prestígio internacional na privatização dessa estrada e de outras duas que também dão acesso a Buenos Aires. Abriu a licitação em dezembro de 1992 e passou a visitar países para vender o projeto.
No final, 132 empresas do mundo todo compraram os editais de licitação. As regras foram rigorosas: os vencedores estão obrigados a fazer seguros de US$ 50 milhões cada e comprometaram-se a integralizar capital de US$ 60 milhões em dois anos.
Como são três concessionários, isso significa a entrada de US$ 180 milhões de capital novo. Sem nenhum financiamento de bancos oficiais argentinos.

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