São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EUA atacam monopólio privado

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

Os Estados Unidos, em especial depois do governo de Ronald Reagan (1981-1989), são citados com frequência como exemplo de sociedade em que a privatização chegou aos seus limites máximos.
Mas, embora o Estado tenha participação pequena no processo econômico, ele não deixa de intervir com o objetivo de garantir a competitividade.
Um dos setores em que isso tem acontecido mais vezes é o da comunicação telefônica.
Truste telefônico
Agora mesmo, a compra da McCaw Cellular Communications pela AT&T por US$ 12,6 bilhões, está embargada pelo Departamento da Justiça do governo federal até que se decida se ela não constitui retorno a uma situação de truste nesse setor da economia.
O negócio, fechado em agosto de 1993, torna a AT&T uma operadora em quase todos os passos da comunicação telefônica e isso preocupa o governo.
A legislação antitruste nos Estados Unidos data do final do século 19. É um conjunto de leis estaduais e federais concebidas para limitar o poder de empresas exercerem o monopólio de setores da economia ou provocarem restrições significativas ao livre comércio e à concorrência.
Neoliberalismo
Desde meados da década de 70, a interpretação que se tem dado a essas leis e sua aplicação mudaram de forma dramática.
A impopularidade da interferência do Estado na sociedade e novas perspectivas econômicas que ressaltam o potencial de aumento de eficiência provocado por fusões de empresas ou acordos entre companhias condenaram essas leis quase ao desuso.
O principal uso dessa legislação ocorreu em 1982, quando a AT&T foi obrigada a separar seus serviços interurbanos das suas companhias locais.
Foi a mais importante (em volume de dinheiro envolvido) ação tomada pelo Estado americano com base nas leis antitruste. Mas também foi a última desse porte.
O Departamento da Justiça estabeleceu nos anos 80 regras para examinar a legalidade de fusões empresariais que enfatizam os seus possíveis benefícios econômicos e sociais.
A Suprema Corte dos Estados Unidos também acompanhou essa tendência do Executivo. Em vez de julgar os casos que lhe chegam com base apenas nos aspectos formais das fusões, ela também passou a levar em consideração as vantagens que a comunidade poderia ter com esse tipo de negócio.
Leis anti-truste
A base filosófica das leis antitruste nos Estados Unidos é a convicção de que as questões econômicas do país são em geral melhor resolvidas por meio de um processo de competição entre diversas empresas que lutem entre si para melhor satisfazer o consumidor.
A legislação visa proteger a competitividade pela proibição de práticas monopolísticas que possam resultar em aumento de preços e diminuição de qualidade de serviços e produtos.
Elas surgiram em resposta ao ambiente predatório da economia americana do final do século 19 e começo do século 20.
A Lei Sherman, de 1890, foi o primeiro desses instrumentos e até hoje é o mais importante.
Ela proíbe "qualquer contrato ou combinação que restrinja o comércio local ou internacional" e qualquer monopolização ou tentativa de monopolização.
A Lei Clayton, de 1914, especifica o banimento de fusões, discriminação de preços, acordos que coloquem em risco a competitividade.
A lei que criou a Comissão Federal de Comércio, em 1914, dá poderes ao governo para punir "métodos injustos de competição".
Violações dessas leis podem resultar em multas de até US$ 10 milhões para empresas e em penas de prisão de até três anos para os infratores.
Governos estaduais, governo federal e cidadãos, individualmente, podem invocar a legislação para processar quem considerem estar exercendo ou tentando exercer monopólio em qualquer setor da economia.
Ineficácia
O principal significado político dessas leis ocorre quando o governo federal faz uso delas.
Os períodos em que isso aconteceu com maior frequência foram: logo após a Lei Sherman (que foi aprovada pelo Congresso quase por unanimidade) e durante os 15 anos do governo de Fraklin Roosevelt (de 1930 a 1945).
A gestão Roosevelt marcou o período da história americana em que o governo inaugurou intervenções mais firmes na economia.
Apesar de às vezes ter sido usada com algum resultado, essa legislação nem sempre foi obedecida com rigor.
Muitas empresas que se organizavam na forma de truste (a primeira delas, em 1882, foi a Standard Oil Trust) mudaram sua estrutura para holdings, o que muitas vezes significou apenas uma alteração de nomenclatura para contornar a legislação.
Alguns conglomerados com claras características de truste, como nos setores da exploração de petróleo e da produção de tabaco, nunca foram ameaçados pelas leis antitruste, embora muitos tenham sido dissolvidos pela Lei Sherman logo nos seus primórdios.
Depois, eles se reorganizaram sob denominações e estruturas diferentes e sobrevivem até hoje.

Texto Anterior: Fim da inflação quebra bancos estaduais
Próximo Texto: Argentina já privatiza água, esgotos, metrô e estradas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.