São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Aposta perigosa

MARCOS CINTRA

Os planos de estabilização anteriores tiveram erros que a atual equipe econômica busca evitar. Foram descartados os congelamentos de preços, bem como regras abruptas e compulsórias de conversão de preços. Tenta-se contornar eventuais bolhas de consumo, juros reais negativos e outras falhas observadas em programas antiinflacionários anteriores.
Contudo, o plano repete um equívoco já vivido antes: a suposição de inflação zero, ou próxima de zero. É verdade que as autoridades econômicas não dizem abertamente que esperam taxas inflacionárias nulas, como foi feito no Plano Cruzado. Mas fica implícito que há esta expectativa.
Desde a criação da URV, o governo proibiu novos contratos com reajustes inferiores a 12 meses; da mesma forma, a política de indexação salarial desaparece com a introdução do real. Na área cambial, a fixação da taxa de câmbio, de forma rígida ou pelo sistema de faixas de flutuação, indica que o governo aposta em taxas de inflação próximas de zero. A sobrevivência de indexadores, como a Ufir, se deve a obstáculos legais à sua extinção.
Se por um lado a destruição dos mecanismos de indexação é necessária para evitar que a inflação inercial renasça e se desenvolva, a hipótese de inflação baixa implica riscos de ruptura dos mecanismos de apoio social da estratégia antiinflacionária do governo.
No caso dos salários, a ausência de correções periódicas pode significar enormes perdas para o trabalhador. A rigidez na fixação da taxa de câmbio também impõe sérios riscos para o balanço de pagamentos.
Trata-se de um jogo de tudo ou nada. Permitir que a indexação continue existindo significa aceitar grande rigidez na tentativa de reduzir a inflação residual do real. Por outro lado, desindexar a economia, além de difícil, implica riscos de tensões sociais e de problemas comerciais com o exterior.
Qualquer aceno de desvalorização cambial ou de fraqueza nas reivindicações trabalhistas para reposição de perdas salariais será como uma pequena gravidez: crescerá inevitavelmente, e desembocará no parto inflacionário.

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