São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Exportações, mercado interno e educação

ANTONIO KANDIR

Embora alguns insistam em não perceber, a globalização econômica tornou obsoleta a velha oposição entre mercado interno e mercado externo. Diante da radicalidade da globalização, é grande equívoco imaginar que a chave para melhorar a qualidade de vida estaria no "desenvolvimento voltado para o mercado interno", visto como alternativa antagônica ao desenvolvimento orientado para o mercado externo.
A melhoria da qualidade de vida, objetivo final de toda estratégia consistente de desenvolvimento econômico, depende de taxas elevadas de investimento. Hoje, nas decisões de investimento de grandes grupos empresariais e instituições do mercado financeiro e de capitais, têm peso cada vez menor as potencialidades individuais de mercados específicos. Em contraste, ganham importância crescente as possibilidades que cada mercado oferece enquanto base produtiva para a competição no âmbito do mercado mundial.
A possibilidade de contar com um mercado interno amplo e robusto é uma vantagem importante, mas não suficiente nem determinante. Se não estiver associada à estabilidade econômica e bom desempenho exportador, a vantagem representada pela existência de um mercado interno potencialmente dinâmico será de pouca valia na atração e geração de investimentos.
A razão de ser o desempenho exportador critério-chave nas decisões de investimento está em que ele fornece indicação objetiva acerca das condições que o mercado em questão oferece como base para a competição em âmbito global.
Esse raciocínio vale tanto para o investidor de fora quanto para quem já esteja instalado no país. Vale para o investidor estrangeiro potencialmente interessado no Brasil e vale também para as empresas já instaladas no território nacional, na hora de tomar decisões de se e onde investir.
Assim é que, sendo o objetivo melhorar as condições de vida e dependendo a melhoria das condições de vida de taxas elevadas de investimento, seria desastroso equívoco perder de vista a importância de contar com políticas permanentes de apoio às exportações, na crença dogmática de que tais políticas são antagônicas ao desenvolvimento do mercado interno.
É nessa perspectiva que a questão educacional, já de si importante para construir uma sociedade democrática madura e menos desigual, ganha relevância estratégica renovada.
Em razão de transformações profundas e incessantes dos padrões tecnológicos, a possibilidade de competir nos mercados externos mais dinâmicos, que se caracterizam pela utilização de tecnologia de ponta, constante renovação de processos e produtos e maior capacidade de geração de divisas, é hoje tanto maior quanto mais elevados os níveis educacionais da mão-de-obra e mais intenso e persistente o esforço de instrução da população em idade escolar.
Ao mesmo tempo em que é condição de um esforço exportador consistente, a melhoria dos níveis de instrução tende a ser por ele reforçada e complementada, num círculo virtuoso de efeitos sociais significativos.
De um lado, o esforço exportador cria demanda adicional por mão-de-obra com níveis elevados de instrução formal; de outro, possibilita, por diversas vias, um fluxo mais intenso de informações tecnológicas com o exterior, importante para que se elevem, por aprendizagem no processo de trabalho, os níveis de qualificação profissional da mão-de-obra.
A esse respeito, a experiência dos chamados "Tigres Asiáticos", que souberam como poucos aliar políticas educacionais e de exportação, oferece-nos uma lição decisiva. Não gastamos menos que os "Tigres" em educação, mas gastamos muito mal.
Daí que, se quisermos realmente estimular o investimento e melhorar a qualidade de vida, é hora de romper, a um só tempo, com o dogmatismo antiexportador de alguns "progressistas" e com políticas de gasto equivocadas na área de educação.

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