São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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As dúvidas que zumbem

ALBERTO HELENA JR.

Por certo, Carlos Alberto Parreira gostaria de ver em campo, na estréia da Copa, o time que ele já escalou, de 1 a 11, para a Fifa, o mesmo que assegurou nossa classificação contra o Uruguai, lembram-se?
Mas, lá no fundo de sua certeza zumbem uma ou duas dúvidas que o incomodam a ponto de não definir oficialmente o time hoje.
Ainda na noite ensolarada de sexta-feira, perguntei-lhe se a cautela era apenas para garantir eventuais mudanças em casos de ordem médica.
O técnico vacilou na expressão "definir", mas foi incisivo na sequência: "Os três amistosos servirão para observações finais. Só depois deles definirei a equipe oficialmente".
Se o grupo está unido, que dirá a comissão técnica, extremante ciosa em não deixar escapar nenhuma incoveniência no contato com a imprensa?
Mas as dúvidas estão no ar, pois elas são de todos nós, observadores ou simples torcedores.
Raí é uma delas. Afinal, nos últimos tempos, o que nos foi dado ver de Raí em campo é de assustar. Há quem garanta que um craque não desaprende a arte de jogar.
Logo, o problema de Raí seria psicológico. Se for, acho que teremos de volta aos campos o Raí que já chegou a ser considerado o melhor do mundo, há uns dois anos.
Vejo Raí aqui da arquibancada do campo da Universidade Santa Clara mais desinibido, solto, mais leve mesmo, quando dispara sem bola em direção gol, na expectativa do cruzamento de Branco, outro que anda incomodando o sono de Parreira.
Mas, Branco, todos sabem, é uma questão física. Um bom período de treinamento, por certo, haverá de lhe devolver o pique de centauro movido a cenoura, como gostava de repetir Nelson Rodrigues.
A não ser, claro, que ele tenha atingido aquela idade em que o craque esmerou seu entendimento com a bola, mas se despediu do vigor da juventude.
Newton Santos, lateral-esquerdo como Branco, aliás mestre de todos que já passaram por ali, costumava dizer que antes da velocidade e da resistência, o veterano costuma perder os reflexos.
Por isso, procura um lugar mais ameno no campo, onde o descortino do jogo lhe favoreça a visão e lhe dê tempo de reflexão.
Ele falava de Garrincha, em fim de carreira, mas se citava como exemplo.
De qualquer forma, estes treinos, mais os três amistosos que nos separam da Copa, servirão para que Parreira silencie aqueles zumbidos incômodos. Assim, ele poderá entrar em campo com os seus 11 titulares.
Será quando, suspeito, os meus zumbidos se tornarão insuportáveis.

A partir de agora, a seleção se exibe apenas para os olhos treinados da comissão técnica e da imprensa esportiva do Brasil.
As arquibancadas ficaram vazias, elas que se enchiam de graça e fé, com a presença das jovens e marmanjos –quase todos brasileiros daqui– por ordens superiores.
Como se diz, na guerra, a emoção é sempre a primeira vítima. E aqui acabamos de entrar na guerra.

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