São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Corrupção salvou os inconfidentes

Historiador diz que rebeldes compraram absolvição

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DO ENVIADO ESPECIAL A PIRACICABA

O historiador mineiro Francisco Iglesias é hoje a maior autoridade no país em Inconfidência Mineira. Deu seu depoimento à Folha por telefone, no qual criticou certas versões da Inconfidência como "barbaridades".

Folha - Podemos acreditar na história oficial, por exemplo, na figura de Tiradentes barbudo e cabeludo?
Francisco Iglesias - Jamais se saberá disso, das fisionomias, mas é irrelevante. Não adianta em nada saber isso, é um problema de "petite histoire".
Há pontos mais importantes. O pai do historiador Augusto Lima Jr., por exemplo, era muito amigo dos Vargas. Três Vargas estudaram em Ouro Preto.
Getúlio era adolescente na época. Os Vargas foram acusados de envolvimento na morte de um adolescente, um estudante paulista, da família Almeida Prado, em Ouro Preto.
Os Vargas foram inocentados e Getúlio ficou grato à família Lima. Lima Jr. foi enviado para resgatar os corpos dos inconfidentes na época de Vargas. Era um historiador que tendia para coisas delirantes. Para ele, o Aleijadinho era uma ficção. É uma história problemática, que precisa ser esclarecida.
Folha- O que não está esclarecido?
Iglesias - O João Rodrigues de Macedo, um dos homens mais ricos de Vila Rica, era amigo de Tomás Antonio Gonzaga e de Claudio Manuel da Costa. Macedo não poderia deixar de estar no processo dos inconfidentes. Eles eram três solteirões, que faziam muitas reuniões na casa de Macedo. Sabemos que o Visconde de Barbacena era sabidamente corrupto, e que dissimulou o inquérito da Inconfidência para não envolver Macedo. Precisamos rever a história.
Folha - Rever o quê?
Iglesias - Nessa revisão Tiradentes continuará grande, vai ser engrandecida a imagem dele, veremos que ele foi um personagem muito maior.
Brecht dizia que feliz é um o povo que não precisa de heróis. Mas Tiradentes deve ser cultivado no Brasil como sagrado. Não era um mistificador. Foi morto porque era um homem humilde.
O inconfidente Claudio Manuel da Costa, por exemplo, era secretário de Estado, e em 1768 já tinha uma obra poética consolidada, era rico. Tiradentes tinha uma vida apagada. Eu o reverencio.
Folha - Quais versões são inverídicas?
Iglesias - Certas bobagens irremediáveis. Há quem diga que Tiradentes teve contato com Thomas Jefferson. Um documento revela que ele pediu licença para ir à Europa. Pediu uma renovação, não concedida. Dizem, por isso, que ele teria ido aos EUA. Em 1788 não havia possibilidade de alguém ir aos EUA em menos de oito meses, e não há notícia de que Tiradentes tenha se ausentado por todo esse tempo do país. Há lendas.
Há quem acredite ainda que o Aleijadinho fez os profetas com base nos rostos dos inconfidentes. Oséias seria João Alves, o profeta Daniel seria Claudio Manuel da Costa, etc. Muita coisa precisa ser esclarecida. Esse trabalho dos peritos pode esclarecer, por exemplo, se as ossadas no museu são mesmo dos inconfidentes.
(CJT)

Texto Anterior: Técnica é a mesma do caso Mengele
Próximo Texto: Equipe faz pesquisa criminalística de ponta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.