São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Técnica é a mesma do caso Mengele

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DO ENVIADO ESPECIAL A PIRACICABA

A metodologia adotada pelos pesquisadores de Piracicaba foi consagrada mundialmente a partir do esclarecimento do caso Josef Mengele, o nazista mais procurado desde o fim da Segunda Guerra.
Com a mesma técnica, e depois das três primeiras ossadas vindas de Ouro Preto, o próximo rosto a ser constituído será o do poeta inconfidente Tomás Antonio Gonzaga, autor do clássico "Marília de Dirceu".
O "anjo da morte"
Essa técnica começou a "nascer" às 13h30 do dia 6 de junho de 1985, quando a ossada de Mengele foi exumada no cemitério Nossa Senhora do Rosário, em Embu (25 km a oeste de São Paulo). Graças à identificação da ossada, esclareceu-se um mistério de 40 anos.
A localização do corpo ocorreu depois que a polícia prendeu o alemão Hans Seldmeier, velho amigo do nazista, em 31 de maio de 1985, na Alemanha. Com ele, a polícia encontrou cartas e documentos escritos por Mengele, onde constava seu endereço no Embu.
Calmo, bem-falante, metódico, Mengele era médico-chefe do campo de concentração de Auschwitz. São atribuídas a ele, diretamente, mais de 400 mil mortes, que o nazista definia como em prol de "experimentos científicos".
Mengele estava vivendo no Brasil desde 1961, sob os nomes falsos de Peter Hochbichlet, Peter Gerhard e Wolfgang Gerhard. Mengele morreu afogado na praia de Bertioga, no litoral norte de São Paulo, em 7 de fevereiro de 1979.
Para viver incógnito, Mengele teve um aparato digno de serviço secreto, sempre montado por antigos nazistas, simpatizantes e membros das colônias austríaca e alemã. O verdadeiro Wolfgang Gerhard, por exemplo, nasceu em 3 de setembro de 1925 e era amigo pessoal de Mengele.
Gerhard conseguiu emprego para Mengele numa fazenda do interior de São Paulo. Retornou para a Áustria em 1975, e deixou seus documentos no Brasil, para que Mengele assumisse duas identidade. Gerhard morreu em 1978.
Conhecido como "Anjo da Morte", Mengele nasceu em 16 de março de 1911, na cidade alemã de Guenzburg. Estudou antropologia e zoologia nas universidades de Munique e Viena. Em 1938, obteve o diploma de médico, poucos meses antes de Hitler invadir a Tchecoslováquia.
Aos 32 anos de idade, Josef Mengele declarou-se "incapaz" para servir na frente de batalha. Ofereceu-se para atuar como médico no campo de concentração de Auschwitz/Birkenau. Vera Kriegel, uma sobrevivente do campo de concentração, descreveu a sala de trabalho de Mengele como "uma parede coberta com olhos humanos de diversas cores, e fígados e pulmões guardados em jarras de vidro".
Terminada a guerra, Mengele teria se escondido em lugares tão diversos como Portugal, Paraguai e Bolívia. Os austríacos Liselotte e Wolfram Bossert, e a húngara Gitta Stammer, declararam ter ajudado a esconder o fugitivo nazista, em São Paulo, desde o início da década de 60.
Segundo relato da polícia alemã, Mengele fez cirurgia plástica e corrigiu uma falha que tinha entre os dentes frontais, para dificultar sua identificação. Assim, conseguiu chegar ao fim da vida sem ser molestado. Mas não impediu que o trabalho científico desvendasse a farsa montada por ele.
Ligas de cera
Os governos de Israel e Alemanha reconheceram como "brilhante" o trabalho de reconstituição da face de Mengele, feito pela equipe de Nelson Massini. O crânio original de Mengele, exumado no Embu, teve suas partes ligadas com cera, como agora é feito com três inconfidentes.
Depois, foram feitas cinco cópias do crânio do nazista, em gesso, para a implantação dos "pontos craniométricos" –locais de coincidência com a cabeça original, e que permitem a reconstituição exata das feições. É exatamente nesta etapa que se encontra a reconstituição do primeiro crânio inconfidente.
Os primeiros passos da reconstituição dos inconfidentes seguiram os mesmos passos adotados no caso de Josef Mengele.
O trabalho nas ossadas inconfidentes começou com uma identificação visual, ou seja: pela cor e pela característica de cada ossada, foi iniciado um trabalho que visava a separar os três despojos diferentes.
"Nessa primeira fase, conseguimos detectar que ali havia pelo menos características de dois indivíduos distintos", afirma o médico legista Nelson Massini, chefe da equipe de pesquisa. Isso foi possível ao se medir, no primeiro passo, a espessura dos três tipos de fragmentos de crânios ali encontrados.
O próximo passo adotado pelos peritos é conhecido cientificamente como "densitometria óssea". Os ossos são submetidos a um aparelho de raio X. Com as ampliações das imagens, é analisada a densidade dos ossos.
Os ossos que estão mais mineralizados, ou seja, com mais sais minerais, instalados com a ação do tempo, são os que pertencem ao indivíduo mais velho. Como se sabe as idades dos inconfidentes, esse processo já começa a mostar que parte é de quem, e assim vai se dando nomes aos ossos.
Há também várias técnicas para detectar se as ossadas são verdadeiras ou não. Por exemplo: quando os peritos querem checar se um indivíduo tem entre 14 e 21 anos de idade, analisa-se os oito ossos do metacarpo, um osso das mãos. "Os indivíduos mais velhos têm menos matéria orgânica nos ossos, que são mais quebradiços", diz o dentista legal Eduardo Daruge.
Outra técnica adotada nessa primeira fase é a análise da idade óssea a partir de exame histológico (das células). Os microscópios ampliam as células ósseas, os osteoblastos, um processo que revela a idade aproximada, com base em padrões internacionais de comparação.
Pele artificial
Para a separação dos ossos mais velhos dos mais novos, nesse processo de triagem, há uma outra técnica, conhecida como "análise das sinostoses".
Sinostoses são os processos pelos quais, com o passsar do tempo, as suturas que separam os ossos do crânio soldam-se naturalmente. Portanto os ossos mais velhos são aqueles que apresentam mais "soldagens".
Em poder das medidas dos fêmures e das estaturas estimadas, os peritos também podem checar se os ossos contidos nas urna inconfidente são ou não de homens, o que também descarta fraudes –como, por exemplo, alguém ter colocado uma falsa ossada na urna inconfidente. "Mulheres têm o fêmur muito menor que homens", avalia o médico legista Luiz Carlos Galvão. "Medindo o fêmur, já pudemos saber que se tratavam de ossos masculinos", completa.
O exame de ácido desoxirribonucléico (DNA), que determina o código genético, vai ser unicamente adotado, por ora, na análise das ossadas do inconfidente Resende Costa. "Há parentes dele vivos em Minas Gerais, para fazerem os exames", diz Rui Mourão.
O DNA dos cabelos encontrados com as ossadas seria comparado ao dos familiares. Mas, num primeiro momento, os peritos não acreditam que os cabelos encontrados nas urnas ainda possam fornecer, depois de 250 anos, alguma chave de DNA.
O exame de carbono 14, usado para definir idades de até milhões de anos, também vai ser usado para revelar a idade dos ossos. Aplicado num fragmento, o carbono 14 cai para carbono 12. O tempo desse processo revela, comparativamente, a idade do extrato analisado. " A queda do carbono, nesse caso, só deve durar três segundos, se o osso for de 250 anos", diz o perito Luiz Carlos Galvão.
Finalmente, os peritos pretendem ia à África, em busca da cova em que estavam as ossadas. Querem resgatar os dentes dos inconfidentes, para recompor-lhes com detalhes a boca. "Dentes são fundamentais para realização de reconstituições", avalia o dentista legal Eduardo Daruge Jr.
No último passo do processo, a pele artificial é colocada nas faces, obedecendo às tabelas craniométricas, seguidas por todos os cirurgiões plásticos do mundo. Essa tabela alinha os chamados "pontos craniométricos" da cabeça. Os primeiros pontos observados são a têmpora, a glabela (entre-olhos), o pavilhão auricular e a abertura orbicular, das órbitas.
Assim, surgem as características exatas dos rostos inconfidentes, cuja primeira ossada deve estar totalmente reconstituída em 30 dias.

Texto Anterior: AS ETAPAS DO RESGATE HISTÓRICO
Próximo Texto: Corrupção salvou os inconfidentes
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.