São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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"Se deixarem, arrebentarei", promete Raí

ALBERTO HELENA JR.
ENVIADO ESPECIAL A LOS GATOS

`Se deixarem, arrebentarei', promete Raí
Meia diz que passou por crise e que não tem mais `bloqueios' que o impediam de se concentrar no futebol
Ele é o único número 10 da seleção. Mais que isso: um dos raros jogadores do futebol atual que podem ostentar nas costas o místico 10, símbolo do craque moderno, capaz de aliar solidariedade no combate ao inimigo, descortino para desvendar espaços imprevistos e decisão para chegar à área inimiga como um artilheiro.
Este é Raí, 29 anos, 1,90 m de altura, 87 kg, campeão do mundo pelo São Paulo, campeão francês pelo Paris Saint-German, em quem o técnico Parreira confia para organizar o ataque na Copa.
Ou, pelo menos, este é o Raí que os brasileiros querem reencontrar na Copa. Pois o Raí dos últimos tempos foi a sua antítese. E o Raí que está à minha frente, nesta salinha ao lado do campo de treino na Universidade de Santa Clara, é uma transição, um reencontro consigo. Pelo menos, é o que ele assegura, neste papo exclusivo:

Raí - Agora, sim, eu me sinto bem. Eu demoro um pouco para resolver os problemas. Mas sempre resolvo. Por isso, tive de enfrentar aquela fase ruim. Foi mesmo uma fase ruim, reconheço.
Folha - Como tudo começou?
Raí - Foi no meu desembarque, quando fui chamado para as eliminatórias. De cara, dei com repórter de TV, que me estendeu o microfone e me perguntou o que faria se a gente não se classificasse.
Poxa, a gente nem ainda havia se reunido e já havia um clima de pessimismo. Isso teve uma grande influência sobre mim.
Folha - Peraí, mas você já vinha jogando mal no São Paulo, antes de ir para Paris.
Raí - No começo da temporada, sim. Pois sou um jogador que leva um tempo para entrar em forma. Mas, depois, acho que já estava jogando como antes.
Folha - Só naquela goleada contra o Santos...
Raí - Não, contra o Newell's Old Boys também joguei bem.
Folha - É verdade. Mas, e aí, o que aconteceu com você?
Raí - O que acontece é que sou uma pessoa introvertida. Vou engolindo as coisas, engolindo e ruminando. Enquanto não resolvo, enquanto estou digerindo os problemas, costumo ter uma baixa.
Folha - Mas o que acontece? Você perde os reflexos, a confiança, o que é estranho, pois você é um cara resolvido, equilibrado. O que acontece, Raí?
Raí - Eu sou, basicamente, um jogador de criação. Isso implica usar a cabeça e os reflexos. Quando eu recebo uma bola, normalmente já tenho a jogada toda e suas derivantes desenhadas na cabeça. Mas para que isso ocorra preciso estar com a mente concentrada apenas no jogo.
Quando estou com um problema, vão-se formando bloqueios. Não raciocino com a mesma desenvoltura. As jogadas não fluem como eu queria e essas frustrações fazem o bloqueio aumentar.
Folha - Você já viveu experiências como essa antes. No início de carreira, você sentiu o peso de ser irmão do Sócrates?
Raí - Já senti, sim. Na verdade, demorei para definir se queria ser jogador. Mas não por causa do meu irmão. Pois nossa relação era de um irmão bem mais velho (11 anos) para outro ainda garoto.
Folha - Pivete. Ele te chamava de pivete, né?
Raí - (sorrindo) - É verdade. Mas eu gostava muito do jeito de ele jogar. Dele, do Falcão, do Zico, daquele time de 82 todo.
Folha - O time do Telê. Por falar nisso, o que significou o Telê para você, sua carreira?
Raí - O Telê chegou ao São Paulo num momento em que eu estava em baixa. Mas sabia que iria me recuperar. Ele, antes de mais nada, é um exemplo de profissionalismo, de integridade. O Telê dá sempre o exemplo antes de exigir. E exige o tempo todo. Isso acaba sendo muito positivo.
Folha - E o Parreira?
Raí - Ele confia em mim. Tanto, que estou aqui, apesar de muita gente duvidar do meu futebol.
Folha - E você?
Raí - Não. Posso garantir pra você que demorei mas resolvi os meus problemas. Agora, estou de novo com a cabeça livre pra pensar só no futebol.
Folha - Vai, então, arrebentar na Copa?
Raí - Não sei se vou arrebentar. Se deixarem, arrebento. Mas, no mínimo, vou jogar o que eu sei.
Folha - Você não tem um reserva com o mesmo perfil. Isso não significa uma sobrecarga?
Raí - Não. Porque, apesar de não ter outro jogador com as minhas características no grupo, o técnico tem outras alternativas. De qualquer forma, acho que vou jogar bem a Copa. Não há mais motivo que me impeça de chegar lá.

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