São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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Suspiros no ar

ALBERTO HELENA JR.

Pela primeira vez em campos americanos, a bola rolou para brasileiros sedentos de um racha com cara de jogo. Durante quase uma hora, nossos craques fizeram no estádio da Universidade de Santa Clara um coletivo cheio de gols e uma ou outra jogada de efeito, daquelas que arrancam suspiros até mesmo dos frios analistas.
Numa delas, Viola puxava um contra-ataque, fazendo uma fileira de inimigos, ao seu estilo, quando Raí e Mauro Silva decidiram acabar com a festa.
Viola, com a bola colada ao pé esquerdo, vinha em alta velocidade, freou, deu uma guinada de 360 graus e só espiou de esguelha os dois adversários se chocarem.
Mas isso foi uma exceção. Na regra, o time titular, com Leonardo no lugar de Branco, poupado, dava sinais claros de se ressentir dos treinos físicos e táticos desenvolvidos nos últimos dias.
Como o céu sempre azul nesta manhã acinzentou, o ar ficou mais abafado, o que certamente reduziu a velocidade do time. Além disso, Parreira traçou um perfil que não será a cara do Brasil na Copa, a não ser eventualmente.
Mandou o técnico que sua linha de zaga se postasse mais à frente, o que ofereceu aos reservas os espaços para contragolpes fulminantes, fosse através de belos lançamentos de Mazinho, fosse via Viola e Cia., com a bola rolando de pé em pé. Isso justificou os dois gols dos reservas, ambos marcados por Cafu, a melhor figura do treino.
Cafu, na verdade, não só marcou dois gols como ainda apareceu várias vezes na linha de fundo, fazendo cruzamentos perfeitos para os companheiros de área. Isso tendo de ficar com um olho em Zinho e a ambição para além de Leonardo, dois craques de seleção de primeiro mundo futebolístico.
Se olharmos para o lado oposto, o que vemos? Jorginho, diante de dois americanos arrebanhados na região para suprirem as ausências de Branco e Márcio Santos, no estaleiro, e Gilmar, que substituiria Zetti na meta reserva, mais tarde. Pois Jorginho pouco foi ao fundo, e, quando o fez, fê-lo mal, no dizer do saudoso dr. Jânio.
"É natural", dizia Parreira após o treino, "pois o Cafu, todo mundo sabe, é um privilegiado, fisicamente". Faltou acrescentar que os dribles desconcertantes, os cruzamentos medidos e os chutes indefensáveis também são privilégio de um craque. Mas, enfim, lá segue nosso Cafu na reserva, pois podemos nos dar a tais luxos.
O importante é que a equipe, apesar do peso desta fase de treinamentos, revelou um bom senso de conjunto, armou-se com maior lucidez, através de um Raí que parece ter-se reencontrado com seu verdadeiro futebol e finalizou com um significativo índice de aproveitamento.
Afinal, os titulares meteram 6 a 2 nos reservas, com gols de Zinho, Bebeto, dois de Raí e dois de Romário. Um deles, uma jóia de malandragem e sutileza, quando Romário, diante de Gilmar, esperou o tempo certo de definição do goleiro para fazer de seu pé direito uma colher, com a qual depositou a bola nas redes sem provocar nenhum respingo.
Aliás, por falar em Romário –alvíssaras!. Nosso artilheiro-mor deu a maior e mais feliz de todas as notícias desta Copa: regenerou-se. Dizem que o amor regenera o malandro –informa o velho samba–, mas foi o amor à bola e à vitória que regenerou, pelo menos temporariamente, Romário. Em troca, ele nos dará seus gols, que, afinal, é a paixão de todos nós.
Com a ausência da alegre torcida, baixou um reverente silêncio sobre o campinho da Universidade de Santa Clara, na manhã de ontem, enquanto a bola rolava entre titulares e reservas.
Deu, então, para se ouvir com clareza a voz de comando de Ricardo Rocha, no centro de sua defesa. Só que Ricardo mal falava com seus companheiros de zaga. O alvo estava lá na frente –Romário e Bebeto.
Ricardo queria que eles, sempre que a bola fosse retomada pela defesa inimiga, voltassem. Não para marcar o adversário. Mas, sim, para, quando a bola fosse nossa, partissem da intermediária ao gol, de frente pra jogada.
Traduzindo: Parreira não quer nossos goleadores inertes entre os beques. E quem fala por ele é um becão, que sabe das coisas.

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