São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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Rebecca Horn pendura piano em Viena

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL A VIENA

Uma das mais "hypadas" artistas plásticas contemporâneas é alemã, dona de uma expressão de hippie fossilizada e que quase não fala sobre sua obra. Rebecca Horn, 50, professora desde 1989 da Universidade de Berlim e desde os anos 70 enturmada em Nova York, compareceu na quinta-feira última no Kunstalle de Viena, o espaço mais importante de arte atual da cidade, para o "vernissage" de sua exposição retrospectiva.
A exibição abriu para o público na sexta. Leva o nome da autora e integra a programação do Festival de Viena. O evento começou em 6 de maio e vai até o próximo dia 12. Mas a exposição permanece até 7 de agosto.
São trinta criações da autora –máscaras e roupas de performances e engenhocas robóticas– realizadas entre 1968 e 1994, reunidas pelo festival em coprodução com o museu Guggenheim de Nova York.
"De certa forma, é uma continuação ampliada da exibição do Guggenheim no ano passado e de minha participação na última Documenta", diz Rebecca."Depois, vamos para Londres e Grenoble (França)".
Além das obras expostas no Kunsthalle, Rebecca montou uma instalação no palácio Leon-Warnburg (construído em 1897 no Wienzeile) intitulada "`Lugar dos Nomes Perdidos"'.
Como se não bastasse, três longas-metragens dirigidos por ela –"Der Eintaenzer" (1978), "`La Ferninanda"' (1981) e "Buster's Bedroom"' (1990)– e uma dúzia de filmes de performances suas nos anos 70 são exibidos no Kunsthalle e no "Stadtkino"', um dos cinemas de arte da cidade, localizado na Schwarzenbergplatz, quase ao lado do Kunsthalle.
Rebecca não vê estilo para definir seu trabalho. "Eu posso e não quero permanecer pintando ou construindo máquinas"', explica. "Forço as fronteiras das linguagens e gosto de experimentar".
Ela é uma das poucas artistas da vanguarda performática ainda com prestígio e imaginação. Seu trabalho inicial poderia ser comparado ao do brasileiro Hélio Oiticica. Entre 1968 e 1979, Rebecca criou roupas, chapéus e máscaras para suas performances. Peças como "Unicórnio"(1972) e as diversas "máscaras" (1968-1972) são quase parangolés, extravagantes roupas que hoje fariam sucesso na noite. A artista as chama de "body extensions" (extensões do corpo).
"Unicórnio" é um chapéu negro em forma de chifre com 2 metros de altura. Entre as máscaras se destaca uma feita com lápis em formato de elmo de gladiador romano.
Mas são basicamente peças desconfortáveis, que constragem em vez de ampliar o corpo. "São obras com o espírito de uma época"', afirma a artista. Hoje, esses objetos ganharam aura de relíquia.
Com o passar dos anos, Rebecca diz que sua obra se interiorizou. Busca agora refletir a fragilidade humana e a angústia do ser diante da máquina.
A exposiação é pródiga nessa última fase de Rebecca. Mostra obras que fazem uso da robótica e quase dispensam o gesto do artista, numa aparente negação da sua atividade humanista e corporal imediatamente anterior.
Na instalação "Os Amantes"' (1991), um estilete suspenso no teto e robotizado pinta diretamente na parede do museu, fazendo fluir tinta vermelha e negra, dispostas lado a lado em dois frascos. A "action painting"' de Jackson Pollock (em que o gesto da pincelada era mais essencial do que a pincelada final) passa a ser ofício para máquinas.
Outra obra que chama a atenção do público se intitula "`Concert for Anarchy". É uma instalação de 1990 composta de um piano de cauda pendurado de pernas para cima, suspenso por cabos. Num movimento contínuo, o instrumento cospe as teclas para fora, como se fossem tripas, e as engole novamente, ao mesmo tempo em que a cauda do piano se abre e fecha. Cada tecla que volta ao lugar produz uma nota. Forma-se uma composição parente das de John Cage e seu "piano preparado".
As máquinas ativas e artísticas de Rebbeca dominam todo o espaço do Kunsthalle. Há malas ensaiando vôos, binóculos que sobem e descem, copos são entornados na parede e criam formas inesperadas. Estiletes que riscam madeira e cortam portas, como "`Cutting Through the Past" (1993).
Existe uma forte carga de ingenuidade nessa obra. Mas se trata de um olhar puro eficiente. Ao abolir o gesto do artista e apostar na máquina como agente artístico, ela quer criar uma utopia tecnológica segundo a qual a arte não se perdeu com o fim dos suportes tradicionais. Rebecca ensina que arte ganha finalmente sentido sem a mão humana.

O jornalista LUÍS ANTÔNIO GIRON viaja à Áustria a convite da Agência Austríaca de Turismo e da Lufthansa.

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