São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cão 'internacional' Rex faz dez anos

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Cão `internacional' Rex faz dez anos
Exposição: Rex Faz Dez, de Angelo Aquino
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. 1º de Março, 66, centro do Rio, tel. 021/216-0237)
Entrada: gratuita
Quando: vernissage hoje; aberto ao público a partir de amanhã até 17 de julho, das 10h às 22h

Não é só a campanha das Diretas Já que festeja 10 anos em 1994. Também um decênio nos separa da publicação de "A Insustentável Leveza do Ser", do lançamento do disco "Thriller", do Oscar que Stevie Wonder levou por conta de "I Just Called To Say I Love You" e do nascimento do Rex.
Que Rex? Ora, o Rex, pombas.
Será que nem pelo nome você adivinha quem é?
Isso, um cachorro. Mansinho que nem ele só. Quer ver? Vem cá, Rex!
Ele é assim mesmo: muda de cor, às vezes é preto, às vezes branco, às vezes meio azulado. Vive de perfil (pode dizer "como um cão egípcio", que ele não rosna) e seus olhos rútilos denotam o que a lubricidade de sua língua não consegue esconder.
Pois é, mansinho, simpático –mas sempre no cio. Ainda bem que ele não sai dos quadros do Angelo de Aquino. Caso contrário, viveria enfiando o focinho debaixo da saia das moças e se agarrando nas pernas da gente para fazer aquelas coisas embaraçosas que os cães costumam fazer, sobretudo diante das visitas.
Que tal? Gostou da pinta dele? Um punhado de gente gostou e colocou um Rex na parede. Franceses o puseram em tapeçarias e japoneses, em camisetas infantis. Rex é um cão internacional.
Jô Soares tem um da primeira ninhada. Regalia de amigo. O humorista do SBT é um dos maiores cupinchas de Angelo de Aquino, 49, o mineiro mais carioca das artes plásticas e o mais boêmio da turma (Antonio Dias, Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Roberto Moricone etc.) que despontou para a glória na histórica mostra Opinião 65.
Por que Rex? Por que um cão?
Homenagem a um cachorro de estimação que, quando Angelo era pequeno, foi atropelado e... Nada disso. Rex surgiu por acaso. Falseta do inconsciente, um gesto de compulsão. Seguia Angelo pincelando suas abstratas "Paisagens Imaginárias", recamadas de pirocas e outros adereços pecaminosos (a maca de Adão & Eva, por exemplo), quando numa delas, sem mais nem menos, pintou (literalmente) um bicho. Não, ainda não era o Rex.
Podia ter sido uma cobra ou uma aranha, mas o inconsciente do Angelo é bem mais fino do que você pensa. E assim, infiltraram-se animais de outras espécies. Até que chegou a vez do cão, que abafou, ganhou nome e foi ficando. "É o meu alter ego bestializado", confessa o pintor.
Gozado. Não criamos cães em nosso imaginário. Não tivemos Rin-Tin-Tin, nem Lassie, nem Capeto –no máximo, o Lobo do Vigilante Rodoviário. Não tivemos Renascença, onde cão em quadro era mato. Os que Goeldi desenhou, miseráveis e mofinos, não contam, pois não fazem parte da tradição humorística a que Rex pertence. Esqueça Francis Bacon e seus cães dementes –Rex saiu do canil cujos clientes mais famosos se chamam Steinberg, Booth, Wegman e Keith Hering.
Vacinado contra metaforite, Rex não oferece perigo à percepção leiga: é apenas um bicho criado e recriado como uma brincadeira, traçado com a singeleza de um desenho infantil e que só "significa" aquilo que de fato significa. Ou seja, ora é um cão que passeia de carro, ora um cão que visita um pintor, ora um cão que encara um vaso de flores. Um cão de cartum, de gibi, de brincadeira.
Pretensiosos, se tanto, apenas os títulos de suas aparições pictóricas, que piscam o olho para Dylan Thomas ("Retrato do Artista Quando Jovem Cão"), Jack Kerouac ("Rex On the Road") e para os mascotes do uísque Black & White. Em todos, a mesma alegria –de viver e pintar. "Soa como a epifania de uma vida feliz", assinala o crítico Wilson Coutinho, no catálogo da mostra que hoje se inicia no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, em homenagem aos 10 anos do melhor amigo do Angelo de Aquino.

Texto Anterior: Rebecca Horn pendura piano em Viena
Próximo Texto: Onetti morre em Madri aos 84 anos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.