São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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Em defesa das universidades públicas paulistas

<FT:"MS SANS SERIF",SN>OTAVIANO HELENE; JOSÉ RICARDO FIGUEIREDO; SUELI GUADELUPE DE LIMA MENDONÇA; JUPIARA GONÇALVES DE CASTRO; JOSÉ LUIZ PIO ROMERA; JESSE JAMES; MARCOS JOSÉ DE ABREU

Erramos: 01/06/94

No gráfico que acompanha este artigo, por falha dos autores, apenas aparece o nome dos reitores da USP. Os reitores de Unicamp no mesmo período são Plínio Alves de Moraes, José Aritodemo Pinotti, Paulo Renato Costa Souza, Alberto Vogt e José Martins Filho. Os reitores da Unesp são Armando Octavio Ramos, Jorge Nagle, Paulo Milton Barbosa Landin e Arthur Roquete de Macedo.
Em defesa das universidades públicas paulistas
O enorme potencial das universidades vem sendo profundamente atingido pelo corte de gastos
O salário de um professor doutor, com no mínimo dez anos de experiência, é de 1.300 URVs
FÓRUM DAS SEIS ENTIDADES
Com o crescimento da USP e a consolidação da Unicamp e da Unesp, nas décadas de 60 e 70, as universidades estaduais paulistas atingiram uma relevância ímpar para o ensino e a pesquisa no Brasil. Julgando pelos indicadores usuais de produtividade científica e acadêmica –número de teses, publicações etc.– estas universidades respondem por mais da metade da pesquisa realizada no país, conquistando ainda considerável prestígio internacional.
Sua relevância para o ensino nacional é muito expressiva, tanto pela reconhecida qualidade de seu ensino quanto pela elevada porcentagem de alunos de pós-graduação, muitos dos quais professores de universidades de todo o país, embora respondam, infelizmente, por apenas um décimo das vagas do 3º grau do Estado de São Paulo.
Na área de saúde, a magnitude da atuação dos hospitais universitários (mais de 1.100 leitos) transcende, em muito, a dimensão da formação do profissional, respondendo a demanda de amplos setores da população e fornecendo atendimento do melhor nível encontrado no país.
As três universidades estaduais paulistas têm cerca de 11 mil professores e mais de 30 mil funcionários, 8 mil deles na área de saúde e hospitalar. Possuem mais de 70 mil alunos de graduação e cerca de 30 mil em pós-graduação.
Mantêm três editoras especializadas em temas universitários, diversos centros de prestação de serviço voltados à população (jurídico, odontológico, psicológico, empresarial, de esportes etc.), duas rádios e dois jornais. Mantêm ainda vários museus e centros culturais e oferecem inúmeros cursos de especialização e aperfeiçoamento, especialmente nas áreas de saúde, educação e tecnologia.
Esse enorme potencial para o desenvolvimento econômico, social e cultural vem sendo profundamente atingido pelo corte de gastos públicos, de acordo com a orientação de uma política de ajuste de inspiração neoliberal.
O resultado destes cortes, que vêm atingindo salários, investimentos e custeio, é dramaticamente representado no diagrama de involução do valor real do salário de um professor doutor, reproduzido na figura 1.
O salário de um professor doutor, tipicamente com um mínimo de dez anos de experiência profissional, é de aproximadamente 1.300 URVs, em contrato de dedicação exclusiva.
Por este contrato, o professor dedica-se apenas a atividades acadêmicas, não deve exercer qualquer outra atividade remunerada e não recebe pagamento adicional por aulas e trabalhos noturnos ou aos sábados.
O salário de um docente das universidades estaduais paulistas é inferior ao de um professor de mesmo nível acadêmico das universidades federais e aproximadamente metade daquele pago em universidades confessionais como as PUCs ou a Unimep.
É este o pano de fundo das greves que vêm atingindo as universidades estaduais desde 1979. A atual greve tem a particularidade de ser a primeira grande greve desde a autonomia financeira de 1989.
Esta autonomia significou uma redução de verbas, caracterizada pela fixação de um percentual do ICMS (quota-parte do Estado) inferior ao praticado em anos anteriores. Da verba repassada deve sair o pagamento dos inativos, que representa uma parte considerável do gasto com salários. O dispêndio atual com as universidades corresponde a cerca de US$ 700 milhões anuais, apenas 0,4% do PIB estadual.
É interessante comparar esta quantia com outros valores. A anistia de ICMS recentemente concedida a bares, restaurantes, redes de "fast food" e empresas de software foi de US$ 360 milhões; operações fictícias de venda interestadual de combustível, recentemente denunciadas, fazem desaparecer anualmente cerca de US$ 1 bilhão; remessas fictícias de açúcar para outros Estados, com vantagens fiscais, já custaram cerca de US$ 2 bilhões aos cofres públicos; os pagamentos feitos ao exterior pelo governo estadual correspondentes ao escândalo Israel somam US$ 104 milhões, de um total de US$ 310 milhões. A duplicação de duas rodovias no interior do Estado foi superestimada em cerca de US$ 400 milhões, se tomado como referência o custo de duplicação da rodovia Fernão Dias.
Nos recursos atualmente disponíveis não cabem todas aquelas atividades desenvolvidas pelas universidades, como produzir mais da metade da pesquisa científica nacional, educar número crescente de alunos, proporcionar atendimento de saúde a parcela significativa da população, entre outras.
Dentro dos atuais limites, é impossível ampliar significativamente o número de vagas nas universidades públicas, necessidade que salta aos olhos quando se verifica que em São Paulo há apenas um estudante em instituições de ensino público superior para cada 500 habitantes, quando, nos demais Estados, esta proporção é, em média, um estudante para cada 280 habitantes.
Deriva daí a luta sustentada pelas associações e sindicatos com o objetivo de elevar o comprometimento da quota-parte do ICMS do Estado com as universidades.
Esta luta permitiu a ampliação dos 8,4% que vigoravam no início da autonomia para os atuais 9%. As entidades, reunidas no "Fórum das Seis", mantêm a luta pela recuperação dos níveis de comprometimento anteriores a 1989, correspondentes a 11%.
Nos últimos anos, caracterizados pela autonomia administrativa com estrangulamento financeiro, passou-se a discutir internamente a divisão dos recursos entre salários, custeio e investimentos. Desde então, planilhas de comprometimento do orçamento com salários são estudadas entre as reitorias e as associações e sindicatos.
Em 1991, as planilhas indicavam que o peso acumulado dos salários de janeiro a junho correspondia a 90,2% do orçamento das universidades; em 1992, correspondia a 87,1% e, em 1993, a 87,8%.
Agora em 1994, a proposta de reajuste salarial do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) aponta para um comprometimento entre 77,6% e 80,8%, dependendo da estimativa da arrecadação do ICMS de junho.
A contraproposta de 27% de reajuste em maio, encaminhada pelas entidades de professores e funcionários das universidades públicas paulistas implicaria um comprometimento acumulado entre janeiro e junho de 82,6%, ainda abaixo dos comprometimentos dos anos anteriores, adotando-se estimativas de arrecadação de ICMS realistas.
Cabe observar que esse comprometimento se refere apenas aos repasses do ICMS. Se forem incluídas outras fontes de recursos (convênios, extensão, recursos do SUS –Sistema Único de Saúde, aplicações financeiras etc.), o comprometimento com salários é sempre inferior a 70%.
Durante a campanha de data-base de 1991, também marcada por greve de docentes e funcionários, a proposta inicial de reajuste salarial feita pelo Cruesp era de 12% e os reitores também alegavam que isto era o máximo que as universidades poderiam conceder.
Naquela ocasião, o Cruesp assumiu o compromisso de praticar reajustes mensais, gastando pelo menos 85% do repasse do ICMS com as folhas de pagamento, até que os salários atingissem patamares dignos. Em abril deste ano, ficou explícita a intenção dos reitores em abaixar esse comprometimento para cerca de 75%.
Em virtude da reação das entidades, o Cruesp, aparentemente, recuou dessa intenção, mas, em maio, resolveu mudar a estrutura de cálculos das planilhas, com a finalidade de sustentar a tese da impossibilidade de reajustes superiores ao que oferecia.
Neste momento, espera-se que o Cruesp responda à contraproposta enviada pelo Fórum, reabrindo negociações efetivas e abandonando sua posição de intransigência.
A proposta de 8% foi considerada inaceitável pelas assembléias de docentes e funcionários, uma vez que de modo algum inicia a reversão das enormes perdas salariais a que têm sido submetidos os docentes e funcionários.
A greve atual é uma legítima pressão dos trabalhadores das universidades públicas pela recuperação de seus salários e da própria universidade, em uma perspectiva estratégica de aperfeiçoamento das políticas públicas para a educação.

OTAVIANO HELENE, 44, é presidente da Adusp (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo).
JOSÉ RICARDO FIGUEIREDO, 41, é presidente da Adunicamp (Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas).
SUELI GUADELUPE DE LIMA MENDONÇA, 33, é presidente da Adunesp (Associação dos Docentes da Universidade Estadual Paulista).
JUPIARA GONÇALVES DE CASTRO, 35, é diretora do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo).
JOSÉ LUIZ PIO ROMERA, 33, é diretor do STU (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Estadual de Campinas).
JESSE JAMES, 33, é diretor do Sintunesp (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Estadual Paulista).
MARCOS JOSÉ DE ABREU, 33, é diretor do Sinteps (Sindicato dos Trabalhadores do Centro Estadual de Educação Tecnológica "Paula Souza").

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