São Paulo, quarta-feira, 1 de junho de 1994
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Preocupação pedagógica não deve impedir inovação na telinha

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quase 15 anos após o seu surgimento nos EUA, a MTV continua a polarizar o debate sobre a linguagem televisiva –aqui e no exterior.
A cruzada anti "câmera enlouquecida", "efeitos especiais gratuitos" e "videoclips", recentemente empreendida pela Globo e noticiada pela Folha, tem paralelo no debate internacional de produtores, diretores e programadores.
No exterior a estética eletrônica é associada a jovens produtores de televisão privada.
A ousadia desses produtores ameaçou os profissionais de televisão pública, colocando-os diante do dilema entre ceder às expectativas modernizantes do público e zelar pelo conteúdo cultural da programação.
Aqui e lá a discussão opõe rapidez, mobilidade de câmera, efeitos especiais, a qualidade, compreensão e lentidão.
Posta nestes termos a discussão derrapa em "principismos", deixando de avaliar a relação específica que cada trabalho estabelece entre narrativa e linguagem.
A produção brasileira está implicada no debate. Um programa brasileiro foi escolhido para representar a estética MTV versus o "cinéma-verité" no Festival Internacional de Televisão Pública (INPUT) realizado este mês em Montreal, no Canadá.
"Teresa", um trabalho de 16 minutos sobre a vida cotidiana de presidiários dirigido por Caco Pereira de Souza e Kiko Golfman, foi exibido logo após "Titicut Follies", do clássico documentarista americano Frederick Weissman, sobre o cotidiano de uma prisão para doentes mentais.
Apesar da temática semelhante, o trabalho dos jovens brasileiros difere radicalmente do trabalho do consagrado americano. Mas será que uns representam o futuro sombrio dominado pela estética eletrônica e outros o passado glorioso da linguagem lenta e cuidada?
O filme de Weissman trata da violência contra os presos executada não tanto por guardas, mas por médicos, psicólogos, psiquiatras e administradores. A força do filme está na sua capacidade de penetrar a lógica do discurso dos detentos e as marcas do cotidiano inscritas nos seus corpos, gravados de perto, em preto e branco, em enquadramentos muito bem cuidados.
"Teresa" também busca penetrar o universo dos presos. Mas o faz de maneira bastante diferente. A edição rápida, efeitos especiais e grafismos pretendem salientar o contraste entre as limitações espaciais no interior da prisão, onde o tempo segue lento e a abundância de espaço na cidade grande, onde o tempo no entanto é escasso.
"Titicut Follies" foi produzido em 1967 e ficou proibido pela Justiça americana até 1993, quando foi exibido pela primeira vez nos EUA. Ao mostrá-lo no INPUT, Weissman apresentava uma novidade muito bem recebida pelo público.
O esforço de Weissman permanece atual apesar da ausência de efeitos e grafismos. O que não invalida a opção de Kiko e Caco pela exploração do potencial específico do meio eletrônico. Sem ortodoxias é possível apreciar os dois trabalhos.
Para voltar à Globo, ao adotar uma linha "simplificadora", uma das maiores redes de TV comercial do mundo se aproxima das convenções das tradicionais TVs públicas européias. Públicas e/ou privadas espera-se que preocupações pedagógicas não inibam inovação e pesquisa de linguagem.

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