São Paulo, quinta-feira, 2 de junho de 1994
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Faria Lima e o desenvolvimento humanizado

CANDIDO MALTA CAMPOS FILHO

A especulação imobiliária tem sido uma das importantes formas de concentração de renda no Brasil. Seu mecanismo principal ocorre quando através do investimento público valoriza-se propriedades imobiliárias, sendo que os recursos públicos utilizados têm origem em sua maior porção no contribuinte de baixa renda (ver Bresser Pereira, "A Economia Brasileira: Uma Introdução Crítica", edit. Brasiliense).
Ora, as "Operações Urbanas" foram imaginadas justamente para funcionarem como captadoras, seja pelo poder público, seja pelo empreendedor privado, de recursos adicionais aos orçamentos públicos, através da outorga onerosa da parcela adicional de direito de construir a ser gerada na própria operação. Essa parcela a ser outorgada onerosamente resulta justamente do fato de se estar planejando pela operação urbana uma ampliação infra-estrutural, no geral quanto a circulação, que é a infra-estrutura mais estrangulada em nossas cidades.
Esta ampliação, a ser realizada com recursos levantados na "operação" pela venda dos direitos de construir, torna possível por exemplo abrir-se avenidas com recursos obtidos na mesma.
Por este mecanismo reduz-se enormemente a especulação imobiliária concentradora de renda. A classe média representada pelos proprietários das áreas atingidas (que deixam de ganhar especulativamente todo o montante a que usualmente tem tido acesso), os empreendedores imobiliários (que por isso tenham lucros menores que os usuais) e os compradores finais dos produtos imobiliários (que não receberão mais os subsídios embutidos no não-pagamento dos custos infra-estruturais urbanos dos edifícios, hoje pagos pelo povo em seu conjunto), dividirão entre si este ônus.
O povo em geral ficará aliviado da carga fiscal representada pelos recursos públicos utilizada para a abertura de avenidas de interesse mais da classe média, pois são nos arredores dessas avenidas que as operações urbanas como a descrita terão mais probabilidade de sucesso.
O prefeito Paulo Maluf propôs inaugurar em grande escala no Brasil, esse dispositivo de justiça fiscal na ampliação da avenida Faria Lima.
Ao propor tal operação urbana o arquiteto Julio Neves, através de empresas de consultoria imobiliária de grande experiência, estimou o retorno a ser obtido na forma de recursos públicos, na venda de potencial construtivo, na ordem de US$ 200 milhões, se bem que a médio prazo.
Estimou os custos da abertura da avenida em cerca de US$ 100 milhões, ampliado pela Prefeitura de São Paulo para US$ 150 milhões, para abrir 4,6 quilômetro ou seja cerca de US$ 33 milhões o quilômetro.
Há assim uma folga de recursos que permite uma negociação pública sem inviabilizar a operação. O arquiteto Julio Neves tem argumentado que essa folga é providencial em uma cidade tão carente de recursos. Tais recursos sobrantes, argumenta com razão, poderiam ser utilizados seja na abertura de outras vias para a própria classe média que lhe dá origem ou poder-se-ia "devolvê-los" a parcelas mais necessitadas da sociedade, como ressarcimento dos investimentos públicos historicamente beneficiadores das mais ricas.
As operações urbanas devem ser fruto de intensa negociação com a comunidade a que vai servir. Uma parcela importante dessa comunidade especialmente a moradora da Vila Olímpia e a moradora de parte de Pinheiros, constituíram um movimento que apresenta excepcional vitalidade na defesa de seu ponto de vista preservacionista.
O prefeito Paulo Maluf demonstrará um espírito democrático condizente com os novos tempos vividos pela sociedade brasileira, se aceitar reduzir a área atingida pela extensão da Faria Lima, eliminando cerca de um quilômetro de avenida, na ligação entre a avenida do Córrego Uberabinha e a a ser aberta na rua Funchal, economizando cerca de US$ 33 milhões e, com isso, preservando a Vila Olímpia, utilizando em seu lugar a própria av. Juscelino Kubitschek já existente.
No lado de Pinheiros o "emagrecimento" da área a ser reurbanizada faria parte de uma conciliação possível com seus moradores. O tombamento municipal do Alto de Pinheiros, há tanto tempo pedido por seus moradores, completaria a ação conciliadora entre desenvolvimento urbano e preservação ambiental, uma versão urbana do desenvolvimento sustentado. Ganhariam os paulistanos pobres e ricos, mais especialmente ganhariam os brasileiros, com a inauguração de um instrumento de grande potencial para a humanização de nossas cidades.

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