São Paulo, quinta-feira, 2 de junho de 1994
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Um índio

Um índio
ALBERTO HELENA JR.

ALBERTO HELENA JR

Um índio invadiu o campo de treinamento da seleção. Quer dizer, invadiu, não.
Implorou lá fora para que pudesse levar uma mensagem aos nossos craques, direto da boca do mato.
Enfim, uma genuína saudação nascida do coração da Amazônia, diretamente para a cidade de Los Gatos, no coração da América.
De cocar, com a pintura de festa de urucum, vestindo um short amarelo e calçando meias soquetes e tênis Rebook, nosso autêntico silvícola, um dos últimos de sua raça, adentrou o gramado, sob a escolta de duas jovens insinuantes -uma antropóloga e uma, como direi, guardiã em San Francisco da cultura indígena brasileira.
Recebido de início por Ricardo Rocha, entregou-lhe uma cerâmica indígena de presente (é porque agora é assim: índio é que dá bugiganga pra branco), e desfiou um discurso em língua natal.
Disse, mais ou menos o seguinte, traduzido que foi pelo próprio: isto é um presente valioso, pois representa a nossa cultura.
Resposta de Ricardo Rocha: "Em nome da cultura nordestina, obrigado, viu bichinho?"
Era mesmo o Brasil em campo.
*
O tal índio, fiquei sabendo mais tarde, é modelo fotográfico e já participou de dois filmes americanos rodados na Amazônia, um deles, com Sean Connery, "Medicine Man", encontrável aí em qualquer locadora.
Terminado o treino, vislumbrei-o no estacionamento, ao lado de um moderno compacto japonês, creio, vestindo uma vistosa camisa xadrez, ajudado pelas duas jovens insinuantes. Fim de ato.
*
A notícia de que fatura 500 mil dólares por ano na seleção, transmitida por uma rede de TV poderosa daí, deixou Parreira extremamente preocupado.
Primeiro, porque, segundo ele, seus proventos não chegam a um quarto disso.
Segundo, porque algum sequestrador maluco pode acreditar no fato, e ele tem família para cuidar. Justa indignação.
Agora, o que pegou mal por aqui foi saber-se que seu procurador na Europa, o empresário Manuel Barbosa, é quem está negociando sua ida para o Valencia, da Espanha.
Afinal, o mesmo empresário português que cuida de seus negócios representa também cerca de onze jogadores que aqui estão, convocados por Parreira.
*
É a terceira Copa do Mundo de Muller. Nas duas anteriores, chegou como reserva e acabou sendo titular.
Por aqui, anda esquivo no contato com a imprensa, vacilante nos treinos. Ontem de manhã, porém, resolveu enfrentar os insaciáveis inquisidores.
Perguntei-lhe se estava com algum problema. Olhos pro chão, garantiu que não. Que está lutando, como todo mundo, para ser titular. Mas acabou confessando que, apesar da pouca idade (tem 27 anos), esta é sua última Copa. "Chega. Três já é demais."
Desse jeito, não vai jogar nem a terceira.
*
Na luminosa manhã de ontem, este time entrou para a história. Pelo menos, sua imagem está congelada em fotos e vídeos, oficialmente.
O Wanderley Nogueira, da rádio Jovem Pan, ao meu lado, comenta, batendo na madeira três vezes: se alguém tiver que ser chamado no lugar de algum dos que estão na foto oficial e fizer o gol do tetra, como é que fica?
Ora, não sairá na foto oficial.

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