São Paulo, sexta-feira, 3 de junho de 1994
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Indústria entra no real com estoques

EDUARDO BELO; MÁRCIA DE CHIARA
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria vendeu menos do que esperava e vai entrar no real com estoques acima do normal.
Pesquisa da Câmara de Comércio Americana do Rio mostra que a proporção de empresas com estoques considerados "excessivos" saltou de 6,4% em abril para 13% em maio. Em março, o percentual era menor ainda: 5,7%.
Em compensação, os estoques tidos como normais diminuíram. Em março, 71,7% das empresas consideravam normal sua disponibilidade de produtos. No mês passado, o número caiu para 60,9%.
A pesquisa abrange 46 empresas líderes de mercado de vários setores da indústria e do comércio.
O acúmulo de estoque resulta da frustração da estimativa de vendas desde a introdução da URV. Alguns setores da indústria produziram mais na expectativa de aquecimento dos negócios.
"A indústria esperava vender mais e não conseguiu", afirma Roberto Villaça, gerente geral da Câmara Americana. "Devido à extrema liquidez da economia, os estoques normais eram o mínimo possível."
Como houve queda nas vendas do comércio em maio (4,8% na cidade de São Paulo; cerca de 8% nos supermercados do Estado), não foi possível repassar a produção para o varejo.
A indústria ficou com um "mico" temporário, que pode evitar desabastecimento se o consumo subir.
"Sem dúvida, a indústria produziu e não vendeu", diz Franz Reimer, diretor de economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Segundo a pesquisa, 64% das empresas previam, em abril, que as vendas do mês seguinte seriam "boas". Em maio, só 54% tinham de fato alcançado a previsão.
Prova disso é o Indicador de Nível de Atividade (INA) da indústria paulista. Segundo a Fiesp, o INA recuou 4,4% sobre abril do ano passado. A queda se deve principalmente ao comportamento das vendas: 12,4% de queda.
"A indústria tem pouco estoque. Estamos em `just in time"', rebate Horácio Lafer Piva, diretor do departamento de pesquisa da Fiesp. Ele diz não acreditar que os estoques estejam acima do normal.
O arrefecimento nas vendas era previsível nesse período de transição e aumento da inflação, diz o economista Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda.
Segundo ele, indústria, comércio e consumidor não estariam familiarizados com a lógica do plano de estabilização. Isso teria provocado uma redução no consumo.
"Há casos de indústrias que erraram no planejamento estratégico", afirma Mailson.
Esse erro está fazendo com que algumas delas estejam demitindo para recompor seu capital de giro e poder financiar o estoque. Até a terceira semana de maio o nível de emprego caiu 0,36% na indústria paulista (8.391 vagas cortadas).
Segundo Reimer, empresas tecnologicamente "menos avançadas" estão à frente das demissões.
Reimer explica que elas não têm condições de bancar o custo de estocagem com juros de até 40% ao ano. Como não há vendas para desovar o estoque, elas estariam compensando a diferença no número de empregados.
"Quem demite hoje está fazendo o cálculo errado", afirma Mailson. As demissões representam um custo elevado. Se houver aumento da demanda, a empresa teria despesa duas vezes: com a rescisão dos contratos e a eventual recontratação e treinamento.
Para ele, férias coletivas –já adotada no setor de eletrodomésticos e cerâmicas– é a saída mais racional. A menos que as demissões façam parte de um ajuste maior.
Reimer nega que as demissões sejam uma forma de pressão sobre o governo, embora a indústria tenha interesse na queda dos juros e que não se criem mecanismos de restrição ao crédito.
Ele afirma que o setor não age em bloco. "A indústria é muito heterogênea e não tem interesse em fazer demissões."

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