São Paulo, sexta-feira, 3 de junho de 1994
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Mario Botta defende o resgate do passado

MARIA HELENA ESTRADA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O arquiteto italiano Mario Botta, arquiteto, 51, está no Brasil a convite do Museu da Casa Brasileira, onde estão expostos seus projetos de arquitetura e design realizados na década de 80.
O arquiteto é natural de Mendrisio, no Ticino, região ao sul dos Alpes, ex-território italiano hoje pertencente à Suiça. "Culturalmente sou suíço-italiano", declara Botta, "eu me alimentei da cultura, da luz italiana, bem diferente daquela dos Alpes."
Sua formação é a da Escola de Artes de Milão e do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza. Trabalhou com Le Corbusier e com Louis Kahn, a quem atribui uma grande influência em toda sua obra. Desde 1969 tem escritório em Lugano, Suiça.
Um dos arquitetos mais importantes da atualidade, constrói em diversos países contemporâneamente e tem hoje, em execução, 40 projetos, sendo 5 deles para igrejas, na Suiça, Itália e França.
Botta comenta, nesta entrevista à Folha, sua visão da arquitetura.

Folha - Qual sua visão da arquitetura contemporânea nos grandes centros urbanos? Para onde vai a cidade?
Mario Botta - A cidade, hoje, parece ter chegado ao limite da tensão, mas esta tensão é também sua riqueza.
O homem tem necessidade do urbano, do convívio, do trabalho. No confronto entre uma cidade-jardim, cidade-verde e São Paulo, eu optaria por uma cidade concentrada como esta.
O fato triste é que a arquitetura está se tornando cada vez mais pobre, mais homogeneizada, fazendo com que os grandes centros urbanos percam sua identidade e, assim, morram um pouco.
A grande poluição não é a dos carros, mas a da arquitetura de má qualidade, resultante da especulação imobiliária.
Penso, no entanto, que a cidade é um lugar extraordinário, a imagem física da história. A cidade é nossa mãe.
Folha - O senhor cria uma arquitetura famosa em todo o mundo pelo seu traço distinto e reconhecível. As idéias-base em sua obra seriam a ordem e o significado?
Botta - A finalidade de cada ato de criação é encontrar a riqueza do passado, a arquitetura precisa falar do grande passado.
Eu espero que haja uma arcaicidade do futuro e que as obras de arquitetura sejam como um tótem que fale das necessidades primordiais do homem.
Por outro lado, quando eu faço um prédio, eu também construo um pedaço da cidade.
Eu penso que a arquitetura moderna deva assumir essa responsabilidade construir em um lugar único e irrepetível.
É necessário agir contra a banalização moderna construindo prédios com uma identidade forte.
A arquitetura não é um instrumento para se construir em um lugar, mas um instrumento para construir esse lugar. A relação com a cidade é muito mais forte que o prédio em si.
Folha – Mas o sr. constrói, em meio à natureza, casas que se se destacam como elementos estranhos à paisagem. Qual a relação que o sr. estabelece entre a arquitetura e o espaço?
Botta - Quando faço uma casa, o que me interessa é transmitir uma sensação de refúgio, de caverna primitiva, onde o homem encontre sua intimidade e sua memória.
Penso a casa como um refúgio da memória, como um signo de tranquilidade e proteção, porque é disto que o homem precisa.
Na minha opinião, a arquitetura deve representar estes valores simbólicos, e são eles os elementos do passado que me interessam, porque permitem à arquitetura ser um documento do tempo presente.
Nas minhas casas procuro inserir uma série de valores e uma organização do espaço físico que contenha elementos arquetípicos como a caverna, por exemplo a habitação primordial do homem.
Quase todas são em três níveis, porque preciso da terra como espaço de transição entre o externo e o interno, do primeiro andar para permitir a visão da paisagem, a identificação com a cultura do lugar e do segundo andar para uma interação com o céu, para que se possa dormir com a lua, comunicar com o cosmos.
Folha – A arquitetura, é um fato ético ou estético?
Botta - Ético, sem dúvida. Por que Guernica é belo? De um ponto de vista estritamente estético pode ser considerado horrível, mas se tornou um ato extraordinário da cultura porque Picasso não só denunciou o massacre fascista, ele disse com a pintura que o homem não deve matar outro homem.
Foi o valor moral da denúncia que tornou extraordinário o gesto pictórico. A arquitetura, por seu lado, é antes de tudo ético porque deve propor os valores ligados à qualidade dos espaços de vida do homem.
Por isso proponho um modelo alternativo à crise do moderno, à banalização do moderno. Quando projetamos um edifício devemos ter em mente que nosso cliente é a história.

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