São Paulo, sexta-feira, 3 de junho de 1994
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Um ombudsman para as eleições

AMÉRICO ANTUNES

A democratização dos meios de comunicação no Brasil tem sido, historicamente, uma das principais preocupações da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). Todos os assuntos pertinentes a este tema são tratados pela Fenaj como síntese das reflexões da grande maioria dos jornalistas brasileiros, manifestadas em dezenas de congressos, seminários e encontros.
Esta entidade nacional, cuja diretoria é eleita pelo voto direto, representa, legal e legitimamente, todos os jornalistas do país e não está a serviço de nenhum agrupamento político ou empresarial, só não sendo mais representativa porque algumas empresas, como a Folha, impedem o acesso dos diretores dos sindicatos às redações.
Apesar disso, todas as discussões são democraticamente abertas e amplamente divulgadas, estando os veículos de comunicação informados de todos os debates. E prova disso é que o 26º Congresso reuniu 650 jornalistas, com a participação de especialistas em comunicação do Brasil e exterior.
A campanha publicitária que o antecedeu, inclusive, foi premiada recentemente por destacar a brilhante atuação dos jornalistas e da imprensa brasileira no processo do impeachment do presidente Collor de Mello.
Desconhecendo essa trajetória, o editorial da Folha tenta insinuar que na Fenaj estão entrincheirados verdadeiros "lobos em pele de cordeiro", como se a entidade nacional dos jornalistas estivesse preparando algum tipo de golpe traiçoeiro à tão elogiada imprensa nacional. Como se a Fenaj estivesse reivindicando para si o mérito exclusivo de "paladina da isenção e da imparcialidade" e guardiã da democracia.
Quer a Folha passar a idéia de que a Fenaj está tentando usurpar o papel da Justiça, substituindo a ação do Ministério Público Federal ou do TSE. E registra, nesse sentido, que o procurador-geral da República, Aristides Junqueira, teria rejeitado as propostas apresentadas pela Federação.
Ora, com esse procedimento a Folha dá exemplo de um mau jornalismo, já que o procurador não poderia negar o que não foi pedido. Ao contrário, ele externou publicamente preocupações quanto ao comportamento da mídia, acordando-se, inclusive, a colaboração da Fenaj para fiscalizar o cumprimento da lei no processo eleitoral.
Em seu virulento editorial, a Folha comete também outros equívocos. Propositalmente, deforma a proposta apresentada pela Fenaj à sociedade –e incorporada pelo Movimento pela Ética na Política– de criação de uma ouvidoria para a mídia no processo eleitoral. Para o resgate da verdade, registramos que a criação deste instrumento tem como premissa o entendimento de que a informação é um bem social e a liberdade de imprensa tem que ir além da liberdade do empresário, que não pode reduzir o direito de crítica ao uso do botão de liga-e-desliga, do seletor de canais ou do ato de comprar este ou aquele jornal. Infelizmente, a Folha revela no seu editorial que enxerga o consumidor, mas não o cidadão.
Para refutar a mobilização da sociedade pela pluralidade de versões nos meios de comunicação, a Folha lembra que Leonel Brizola conseguiu na Justiça um direito de resposta inédito na história das comunicações, mas esqueceu-se de dizer que esse direito só foi reconhecido dois anos depois do episódio. O prejuízo que a "mentira" veiculada na TV causou ao político não pôde ser reparado a tempo.
O que a Fenaj está propondo é agilidade e participação efetiva da sociedade no controle democrático, sem censura, dos meios de comunicação, compartilhando esse direito com todos os interessados, sem distinção de cor partidária, credo ou categoria profissional.
A existência desta figura, sem dúvida, em muito contribuirá para a elevação do nível das eleições, garantindo que os veículos de comunicação sejam instrumentos para a livre escolha dos eleitores e evitando-se os abusos ou manipulações tão frequentes nos noticiários.
A tentativa da Folha de desqualificar o Movimento pela Ética na Política e a Fenaj como propositores do ombudsman só tem um objetivo, portanto: o de deixar tudo como está, mantendo-se a discussão do comportamento ético da mídia sob sete chaves. Ao fazermos essa proposta, apostamos em outro caminho: é direito do cidadão se organizar e se defender dos abusos cometidos, inclusive, pelos meios de comunicação.
Nada mais justo do que, em um momento histórico como o que vivemos, às vésperas das eleições vitais para os destinos do país, surgir uma comissão de ombudsman para receber reclamações e analisar o comportamento da mídia no processo. Esta é uma lição de cidadania, um passo decisivo no estabelecimento de novas bases nas relações entre os meios de comunicação e a sociedade. A Folha, o primeiro jornal brasileiro a instituir o ombudsman, poderia dar o exemplo, encampando esta idéia.

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