São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Viagem recupera memória da guerra

JANIO DE FREITAS
DO CONSELHO EDITORIAL

Turismo e história fazem uma das raras combinações perfeitas. De cada vez que se vai a um lugar cujo passado momentoso se supunha conhecer, constata-se que, sem o ter visto, sempre seria precária a compreensão da história nele urdida.
Como a humanidade só não travou combates homicidas onde faltou um pretexto qualquer para fazê-los, lutas são um ingrediente constante e relevante na combinação turismo-história. Mas raramente o único importante.
As regiões francesas da Normandia e da Bretanha, onde se travou a chamada Batalha da Normandia a partir do Dia D, não oferecem apenas memórias físicas da guerra. Seu patrimônio histórico desce à Renascença, mergulha na Idade Média e está circundado por beleza natural exuberante.
Para ocupar a metade norte e todo o oeste da França, os alemães não precisaram fazer grandes estragos. O despreparo francês facilitou-lhes a tarefa bárbara. Os aliados, sim, com sua técnica bélica de "terra arrasada", ainda mais enfurecida pela inesperada energia da resistência alemã, destruíram muito de um passado irrecuperável. Mas o que restou não é pouco e é fascinante.
Desejosos de esquecer os seus anos frustrantes, os franceses entregaram-se à reconstrução sem pensar na preservação das marcas da guerra. Antes preferiram extirpá-las. Só há uns 15 anos despertaram para a necessidade de recuperar o que não foi destruído e refazer o que, afinal de contas, é parte da sua história.
O Conservatório do Litoral adquiriu perto de 200 hectares da chamada zona britânica do desembarque e, nos últimos anos, vem adquirindo, em associações com o Comitê do Desembarque, outro tanto no setor americano. Os museus locais se multiplicam e, com a lembrança de fotografias e filmes, reconstitui-se bem a visão daquele momento épico da guerra. Uma visão que o contato com a topografia torna muito impressionante. Absurda mesmo.
Auto-estradas não costumam ser favoráveis ao turismo histórico. Passam ao largo de tudo. Mas, sendo mais conveniente chegar à zona histórica do Dia D pelo seu extremo leste, vale a pena sair de Paris pela Auto-Estrada da Normandia em direção a Honfleur, para conhecer este velho porto pesqueiro que, entre suas tantas graças, inclui a casa do compositor Eric Sattie. Em seguida, merecem ser vistos os balneários gêmeos de Deauville e Trouville e, logo abaixo, Cabourg, também balneário e no limite da zona do desembarque.
Daí, o destino imprescindível é Caen, fora da costa. Centro da mais ferrenha e demorada resistência alemã, Caen foi massacrada pelos bombardeios e pelos tanques aliados por quase um mês – e era um dos objetivos a serem tomados pelos aliados no próprio Dia D. Na sua periferia, no lugar mesmo em que esteve instalado o comando alemão, foi inaugurado em 1988 o Mémorial de la Paix, que reúne museu e centros de documentação e de pesquisa.
Erigido e mantido com apoio de comitês nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Noruega e Alemanha, o memorial proporciona ao visitante "uma viagem na história de 1918 aos nossos dias", centrada nos conflitos, nas liberdades e nos direitos humanos.
Se brasileiro, o visitante tem a surpresa de encontrar, no principal filme exibido sucessivamente, uma bela intervenção de d. Helder Câmara. Em qualquer caso, sai do Memorial preparado para visitar a zona do Dia D.
A 15 km de Caen, direção norte, está Ouistreham na desembocadura do Orne, onde um bunker alemão desce, intacto e com componentes até pessoais, vários andares terra abaixo. Já é a praia que, no código do desembarque, chamou-se Sword.
É só seguir o litoral e se sucedem as praias chamadas, no código, de Juno, Gold (estas, com a primeira, na zona do desembarque britânico e francês), Omaha e Utah (zona americana). Ao longo do percurso encontram-se as casamatas e demais vestígios da guerra. E museus, mas quanto a estes é preciso fugir dos falsos museus particulares (veja o quadro dos aconselháveis).
A visão das pretensas praias explica a mortandade que foi o Dia D: 2.000 mortos logo na primeira leva, 8.500 só no primeiro dia. Sem incluir os feridos que viriam a morrer. Levas seguidas de jovens foram obrigadas a desembarcar em faixas estreitíssimas de areia e depois escalar falésias imensas, muralhas naturais de terra seccionada na vertical, com 30, 50, 80 metros de altura – e, em cima, as armas alemãs.
Os cemitérios militares também estão abertos à visitação. Cada qual maior do que o outro, igualados todos na simplicidade das suas multidões de cruzes brancas sobre a relva. Cada uma delas, um monumento à Batalha da Normandia. E contra a demência humana. (Janio de Freitas)

Museus:
Em Ouistreham-Riva Bella: Museu do Comando nº 4 (Commando Kieffer)
Em Arromanches: Exposição permanente do desembarque
Em Bayex: Museu Memorial da Batalha da Normandia
Em Omaha Beach: museu do setor americano
Em Utah/Saint-Mere Église: museu das tropas aerotransportadas

Texto Anterior: Churchill; Roosevelt; Eisenhower; Montgomery; Bradley; Patton
Próximo Texto: Leia a íntegra da ordem de combate do general Eisenhower às tropas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.