São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Jovens advogados tentam modernizar idioma jurídico

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A linguagem tradicionalmente rebuscada dos advogados está em processo de modernização. Há uma tendência, principalmente entre os advogados mais jovens, de falar e escrever de forma mais clara e sintética.
As costumeiras citações, outro velho costume dos profissionais do direito, também estão sendo usadas de forma mais criteriosa.
Há preocupação com a repetição de conceitos, com o tamanho das teorias reproduzidas e com a língua em que são apresentadas.
Frequentemente encontram-se textos em alemão, francês ou italiano em uma petição judicial.
"O advogado evoluído escreve de forma clara e enxuta. Aquele que usa um linguajar rebuscado não redige como convém", afirma Goffredo da Silva Telles, 78, professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo).
Sua opinião é compartilhada por José Alexandre Tavares Guerreiro, 49, professor de direito comercial da USP, para quem o jeito empolado de se expressar é um mau hábito, que tem de mudar.
"Os escritos jurídicos não devem ter pretensões literárias. Eles têm como objetivo o convencimento. Para isso precisam ser claros e concisos", analisa.
O direito, como qualquer outra ciência, exige o uso de expressões técnicas. Estas expressões não devem ser enfeites que dificultem a compreensão do que se quer dizer.
Neste campo estão expressões como "fumus boni iuris" (fumaça do bom direito) e "periculum in mora" (perigo eminente). Estes são dois pressupostos que têm de estar presentes num mandado de segurança ou medida cautelar.
A linguagem pernóstica dos advogados tem grande influência da tradição francesa, que inspirou os códigos de leis portugueses e brasileiros. Muitos termos usados no Brasil surgiram na Idade Média.
É o caso, por exemplo, de "suplicante" (o que faz o pedido no processo). Naquela época, o cidadão que pedia justiça fazia uma súplica. Hoje ele faz um pedido.
Segundo Eduardo Muylaert, 49, advogado criminalista, a modernização do idioma forense brasileiro é fundamental e já chega tarde.
"Na França, desde l970 o Ministério da Justiça tem feito campanhas para que os juízes simplifiquem suas sentenças. Perceberam a necessidade de tornar o direito mais acessível", diz.
Muylaert e Guerreiro contam que alguns advogados usam a linguagem hermética como defesa.
"É uma forma de esconder a falta de conhecimento", denuncia Guerreiro. "A erudição e o refinamento intelectual podem manifestar-se de maneira simples e enxuta", acrescenta Muylaert.
O advogado Arystóbulo de Oliveira Freitas, 32, especialista em direito do consumidor, afirma que as novas gerações usam pouco os termos antigos. Para ele, uma peça jurídica deve evitar redundâncias e detalhes supérfluos.
Goffredo da Silva Telles lembra que o direito romano, primeira fonte do direito brasileiro, é extremamente simples. "Os textos romanos são bem simples e claros. Mas nós, por muito tempo, nos esquecemos dessa simplicidade".
Para ele, "a nova linguagem é um progresso. Sem prejuízo da técnica, a modernização do idioma forense representa uma evolução do espírito do advogado".

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