São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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A visita de Summers

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

Uma certa curiosidade marcou o encontro, na sede de nossas entidades na avenida Paulista, em São Paulo, nesta semana, entre dirigentes e empresários da Fiesp/Ciesp e o novo subsecretario do Tesouro dos Estados Unidos para Assuntos Internacionais, Lawrence Summers. Presente ao diálogo, o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero.
Isso porque já se conhecem em São Paulo a reputação e a influência nos círculos governamentais de Washington desse jovem economista, aos 40 anos de idade PhD e professor da universidade de Harvard. Summers até pouco tempo atrás ocupava o posto de economista-chefe do Banco Mundial.
Em abril do ano passado, foi chamado para cuidar dos temas internacionais do Tesouro americano, sendo uma de suas principais responsabilidades a questão da dívida externa dos países emergentes.
Em sua posição, o professor Summers tem lidado com todo tipo de assunto. Por exemplo, Rússia e outras economias em transição, comércio mundial e relações com o hemisfério ocidental, que naturalmente inclui o Brasil.
No nosso país, em passagem rápida de dois dias apenas, Larry (como é chamado informalmente, numa capital em que o presidente é, informalmente, Bill Clinton) Summers veio realizar uma série de consultas com autoridades do governo e com líderes empresariais.
A meta principal, segundo anunciou a embaixada norte-americana em Brasília, foi reunir dados para montar a agenda da Conferência de Cúpula das Américas, que o presidente Clinton deseja realizar em dezembro próximo em Miami.
Esta "Cúpula das Américas" será, notou Clinton ao anunciá-la em março na Casa Branca, "a primeira reunião de cúpula de líderes de todo o hemisfério em uma geração e também a primeira reunião jamais feita de líderes (desses países) democraticamente eleitos".
Na visão do presidente norte-americano, pois, teremos em Miami uma celebração da total redemocratização da parte latino-americana do continente. Obviamente, Fidel Castro não estará convidado. Mas Alberto Fujimori sim.
Quanto ao Brasil, pela oportunidade da data, talvez estejamos representados não apenas por um, mas por dois presidentes: o presidente Itamar Franco e o presidente eleito em outubro.
Na Fiesp, colhemos a ocasião da presença do professor Summers para passar a ele algumas mensagens. Em primeiro lugar, registramos com alegria o fato de que o usual contencioso entre Brasil e Estados Unidos (afinal, dois países grandes, com muitos interesses a conciliar) está hoje em nível baixo, talvez um dos mais baixos da história das relações entre os dois países.
Quisemos, em seguida, deixar registrado que o Brasil, desde 1990, abriu de forma espetacular o seu mercado, reduzindo drasticamente as proteções que garantiam à indústria brasileira algumas reservas de mercado. Ao mesmo tempo, nossas exportações cresciam em ritmo acelerado.
Contudo, dissemos ao professor Summers que, quando começam a ganhar maior impulso essas exportações, começamos também a ouvir, vindas de fora, vozes de crítica.
Criou-se toda uma nova doutrina econômica para combater, no Primeiro Mundo, o potencial crescimento das indústrias dos países emergentes. Alega-se que essas indústrias praticam o "dumping" social.
Esse argumento não vale em relação à nossa indústria, sublinhamos. Basta lembrar que os adicionais sobre as folhas de pagamento das indústrias paulistas, destinados a fins sociais, alcançam hoje até 110% do valor dessas folhas. Pode-se imaginar como isso pesa sobre os custos do nossos produtos. É o contrário do "dumping" social.
Também lembramos ao subsecretário do Tesouro um contra-argumento possível, de nossa parte, o do "dumping" tecnológico.
Isto seria a vantagem exclusiva de que se beneficiam os produtos dos países avançados, superiores em educação e pesquisa, na penetração em mercados relativamente pouco sofisticados, como o nosso. Daí a importância de que o acesso à tecnologia seja examinado na reunião de Miami.
Também dissemos ao professor Summers que a indústria de São Paulo está preocupada com a vantagem que os seus concorrentes industriais do México poderiam levar, uma vez instalado o Nafta, dentro do fabuloso mercado norte-americano.
Por causa da globalização do comércio, se as regras do Nafta não forem respeitadas pela indústria do México, em relação a tópicos como requisitos de origem dos produtos e regras ambientais, entre os prejudicados estará a indústria de São Paulo e do Brasil. Nos preocupam especificamente setores como aço, autopeças, veículos, suco de laranja e açucar.
Finalmente, lembramos ao professor Summers que continua pairando sobre as cabeças de nossos industriais e exportadores a possibilidade de o governo dos Estados Unidos aplicar a Super 301 contra o Brasil, em futuro próximo, por questões que dependem exclusivamente da aprovação do Congresso brasileiro.
É o caso da Lei de Patentes que tramita pelo nosso Congresso e que deveria estar pronta até 15 de junho, segundo prometeu o Itamarati aos americanos, durante apressada negociação recentemente feita para impedir sanções contra produtos brasileiros. O industrial brasileiro continua ameaçado de pagar por pecados que não são seus.
A essas observações, feitas durante o almoço da Fiesp, o professor Summers respondeu em tom enfaticamente amistoso. A tal ponto que alguns empresários paulistas com longa experiência em comércio internacional comentaram, depois, que foi a linguagem mais positiva e cordial que tinham ouvido de autoridade americana nos últimos anos.
Isto deve ser destacado, pois tais afirmações foram feitas na presença do ministro Ricupero. Este, aliás, fez questão de agradecer o apoio que vem recebendo do subsecretário Summers.
Summers sublinhou que o presidente Clinton está preocupado, sim, com a mão-de-obra mal-remunerada e a deterioração das condições ambientais nos países emergentes. Mas, garantiu ele, Clinton jamais permitirá que essas questões justifiquem qualquer novo tipo de protecionismo para dificultar o acesso ao mercado americano.
Notou o professor Summers que estão no poder em Washington os "novos" democratas, ou seja, a ala do Partido Democrata que acredita no papel do setor privado em liderar o progresso econômico. "Sabemos que para ajudar os empregados, teremos de apoiar os empregadores", disse Summers aos empresários paulistas.
E, para encerrar, disse Summers que Brasil e Estados Unidos estão destinados a serem sempre amigos e a se apoiarem mutuamente, "por serem dois gigantes, no mesmo hemisfério".

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