São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Um certo "amigo íntimo de Freud"

Telepata coloca em xeque a psicanálise no Brasil em 1931

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1931, um prestidigitador chamado Adolpho Maximilam Langsner desembarca em São Paulo e inicia uma série de espetáculos teatrais de telepatia. Aos jornais, Langsmer se diz proveniente de Viena, "amigo íntimo de Freud" e psicanalista capaz de realizar "uma corrida de automóvel com os olhos vendados".
Imediatamente, Langsner vira motivo de polêmica entre os membros do movimento psicanalítico em São Paulo, que acabam por envolver o próprio Freud, então com 75 anos, na controvérsia.
O autor de "A Interpretação dos Sonhos" é solicitado, pelos psicanalistas brasileiros, a se pronunciar sobre a veracidade ou não de suas relações com o telepata.
Depois de dirigir um automóvel com os olhos vendados, o ilusionista é sensação na cidade. A imprensa chega a apresentá-lo como "um dos poucos cientistas que se dedicam a fundo às teorias de Freud".
Tanta repercussão com os feitos do dr. Langsner irrita os membros da incipiente comunidade psicanalítica de São Paulo, empenhados em firmar a teoria freudiana como ciência no Brasil e desfazer os preconceitos e as zombarias a seu respeito. O assunto vai parar na escrivaninha de Freud através de uma carta de Durval Marcondes, à qual ele anexa um recorte de jornal (veja cópia nesta página), traduzido em francês, com a notícia sobre Langsner. A carta de Durval é um documento emocionado das aflições dos pioneiros da psicanálise no Brasil.
Datada de 20 de outubro de 1931, Durval relata a Freud todo o acontecimento em torno de Langsner, inclusive sua proclamada intenção de instalar em São Paulo "um sanatório para o tratamento das doenças nervosas".
Durval se desculpa com Freud por incomodá-lo a respeito. Coisa que, segundo ele, não faria se Langsner não tivesse se apresentado como seu "amigo íntimo" e não tivesse "feito uso de seu nome e do da psicanálise nos anúncios que ele faz, a todo momento, de suas virtudes médicas e teatrais".
Durval escreve: "Há muito tempo eu tento, com muito esforço e sacrifício pessoal, criar no meio da classe médica de São Paulo uma idéia justa e elevada da psicanálise, o que, felizmente, começa-se a obter, já que ela não é mais, entre nós, a opinião delirante de uma meia dúzia de loucos, sendo agora bastante bem compreendida pelos mais distintos companheiros, que não apenas a aceitam teoricamente mas a recomendam como método terapêutico".
Para Durval, a atitude de Langsner, ao jogar com o prestígio alcançado pelo nome de Freud, comprometeria "uma boa parte do trabalho frutuoso" exercido pelos psicanalistas de São Paulo.
Durval encerra sua carta, solicitando a Freud a gentileza de enviar sua opinião sobre Langsner como psicanalista, "para que possa, assim, documentar com eficácia algum esclarecimento que eu venha a fazer diante da opinião pública de São Paulo, já que me parece necessário desfazer confusões e mal entendidos sobre a psicanálise, e combater possíveis acusações de seus adversários".
Freud redige sua resposta (veja cópia nesta página) cerca de 45 dias depois da carta de Durval, em 15 de novembro: "Prezado Senhor Professor, pela presente autorizo-o a declarar publicamente, da forma que lhe parecer mais apropriada, que eu não conheço (Freud sublinha a frase) um Dr. Maximiliam Langsner de Viena, e que só tomei conhecimento da existência dele através de sua carta. Minhas cordiais saudações, Freud".
A psicanálise no Brasil estava salva.

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