São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Tiananmen foi maior desafio ao PC chinês

RENATO MARTINS
DA REDAÇÃO

Os 48 dias de protestos estudantis na praça de Tiananmen, que culminaram no massacre de centenas de jovens pelo Exército, em 4 de junho de 1989, foram o maior desafio à autoridade do Partido Comunista desde a Revolução comandada por Mao Tse-tung, que em 1994 completa 45 anos.
A chacina isolou momentaneamente a China no cenário mundial, mas não afastou a liderança chinesa, e especialmente o dirigente máximo, Deng Xiaoping, 89, da determinação de conduzir uma liberalização econômica de estilo capitalista –a "economia socialista de mercado"-sem abrir mão do monopólio do poder político.
Os meses de abril e maio são tradicionalmente a temporada de protestos estudantis na China, começando com o Qingming, uma espécie de Dia de Finados. Este ano, vários estudantes foram presos em Tiananmen no Qingming (5 de abril), ao tentarem colocar flores onde seus colegas foram mortos há cinco anos.
Em 1989, o estopim dos protestos foi a morte de Hu Yaobang, 73, em 15 de abril. Hu era um dos líderes da ala reformista do Partido Comunista Chinês. Foi secretário-geral do PCC de 1980 a janeiro de 1987, quando foi afastado por ter permitido protestos estudantis contra a corrupção no governo.
Em 17 de abril já havia 40 mil estudantes em Tiananmen, liderados por 500 alunos de direito e história da Universidade de Pequim.
No dia seguinte, 10 mil jovens fizeram uma passeata até o Zhongnanhai, edifício-sede do PCC, para entregar uma carta ao recém-empossado premiê Li Peng. Foram recebidos por 2.000 policiais.
Eles exigiam a reabilitação oficial de Hu Yaobang e medidas contra a corrupção e a inflação, além de reivindicações não muito claras por mais democracia.
As universidades entraram em greve no dia 24. Por duas semanas a situação ficou estável, com algo entre 40 mil e 50 mil estudantes ocupando a praça e a liderança do PCC debatendo o que fazer.
Em 2 de maio os manifestantes entregaram um ultimato ao governo, exigindo a reabertura da proscrita Federação Autônoma dos Estudantes. No dia 4, 70º aniversário de uma rebelião estudantil ocorrida em 1919, os dissidentes em Tiananmen já eram 150 mil.
Em 15 de maio chegou a Pequim o presidente soviético, Mikhail Gorbatchov. Ele era visto como um herói pelos estudantes chineses, por estar conduzindo na URSS uma abertura política (a glasnost) junto com a abertura econômica (perestroika).
"Na China as reformas têm um caráter muito mais econômico do que político. Queremos uma democracia total, radical. Esta é a nossa utopia, e achamos que Gorbatchov caminha mais do que Deng neste sentido", disse à Folha na ocasião Liu Wuchang, 31, estudante de pós-graduação.
No dia da chegada de Gorbatchov a multidão em Tiananmen já crescera para 400 mil pessoas, mil delas em greve de fome.
No dia 17, véspera da partida do líder soviético, 2 milhões de pessoas fizeram protestos em vários pontos de Pequim. Os 50 mil m2 de Tiananmen já abrigavam mais de 500 mil pessoas, 3.500 delas em greve de fome.
Se a chegada de Gorbatchov estimulou os estudantes, sua partida liberou a ala mais dura do governo chinês a agir sem temer embaraços. No mesmo dia, enquanto 200 mil estudantes aderiam à greve de fome, o Comitê Central do PCC se reunia para decretar a lei marcial e anunciar que o regime estava disposto a usar a força.
Muitos comandantes militares, porém, negaram-se a participar da operação. Deng precisaria de mais duas semanas para impor disciplina no Exército e lançar o ataque.
Em 3 de junho, quando os tanques do 27º Grupo de Exército avançavam para Tiananmen, a praça já concentrava 1 milhão de pessoas. Os protestos haviam se espalhado para 35 cidades.
À tarde os soldados tentaram entrar na praça sem violência e foram rechaçados. A invasão, com tanques e carros blindados passando por cima de barricadas e pessoas, começou à 1h do dia 4.

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