São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Sucessão do 'nº2' divide o budismo do Tibete

THIERRY MALINIAK
EL PAÍS

Sucessão do 'nº 2' divide o budismo do Tibete
O lamaísmo (budismo tibetano) está passando por sua crise mais grave desde a invasão chinesa do Tibete. Pela primeira vez, a autoridade de seu líder supremo, o Dalai Lama, está sendo questionada por sua comunidade.
O que está em questão é a sucessão do "nº 2" do lamaísmo, o Karmapa, principal líder espiritual depois do próprio Dalai Lama.
O último titular do cargo (o nº 16 da linhagem, que remonta ao século 12), Rigpai Dorje, fugiu do Tibete em 1959, com a chegada das tropas chinesas.
Ele se refugiou no grande mosteiro de Rumtek, Estado de Sikkim, hoje parte da Índia. Morreu em 1981 em Chicago (EUA).
Era preciso encontrar um sucessor. Segundo a tradição lamaísta da reencarnação, os lamas deixam, antes de morrer, sinais indicando em que criança vão se reencarnar.
Mas os lamas de Rumtek não encontraram qualquer indicação. Foram nomeados quatro regentes para dirigir o mosteiro e a ordem.
Em 1990, um deles anunciou a descoberta, num amuleto que recebera do Karmapa, de carta com as preciosas indicações sobre como encontrar o sucessor reencarnado.
A descoberta tardia foi qualificada de impostura pelo regente Sharmapa. Mas os outros três seguiram instruções da carta.
O regente Kongtruk foi encarregado de dirigir a operação, mas não a concluiu: em abril de 1992 morreu num acidente de carro.
Pouco depois se anunciou que o menino-Karmapa havia sido encontrado numa tribo nômade do Tibete central. Tinha sete anos e se chamava Ugyen Dorji.
Os monges contaram que o garoto os reconheceu imediatamente, sem nunca tê-los visto.
O próprio Dalai Lama abençoou a descoberta. Surpreendentemente, o governo de Pequim reconheceu em nota oficial o garoto como "`reencarnação do Buda viva".
Era a primeira vez desde a invasão do Tibete que a China fazia uma proclamação semelhante. Em setembro de 1992, Ugyen Dorji foi coroado o novo Karmapa.
Mas o regresso a Rumtek foi tumultuado: o Sharmapa havia se entrincheirado no interior do mosteiro com seus seguidores.
Os pacíficos monges de ambos lados brigaram com bastões até a chegada da polícia indiana.
No início deste ano, o Sharmapa anunciou que havia encontrado o verdadeiro novo Karmapa: Tenzing Chentze, 10.
Segundo os "dissidentes", o garoto saíra clandestinamente do Tibete com documentos falsos para evitar a oposição dos chineses, partidários do outro menino.
Já para os "ortodoxos", Tenzing Chentze havia sido mandado pela família real do Butão, desejosa de aumentar sua influência no vizinho Sikkim. Em março, Chentze foi coroado o novo Karmapa num mosteiro de Nova Déli.
Os "oficialistas" acusam o Sharmapa de deixar-se usar pelo Butão, um país que já invadiu o Sikkim no passado, e o criticam por questionar o Dalai Lama.
O Sharmapa afirma que é complô de Pequim. A China teria reconhecido a reencarnação de um grande lama para promover um líder espiritual que no futuro possa fazer sombra ao Dalai Lama.
A polêmica opôs a China, que apóia Ugyen Dorji, à Índia, que apóia Tenzing Chentze.
Enquanto isso, os dois garotos, que não se conhecem, recebem os ensinamentos destinados a transformá-los no novo Karmapa, ignorando a confusão que os envolve.

Tradução de Clara Allain

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