São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Ferrovia, a eterna esquecida

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Até agora, não vi nenhum candidato falar sobre o que pretende fazer com as nossas ferrovias. Quando se considera o tamanho do Brasil e suas enormes necessidades de transporte, a atual malha ferroviária, de 30 mil quilômetros, é simplesmente ridícula.
O Brasil começou tarde e parou cedo na construção de ferrovias. O arrojo do industrial Irineu Evangelista de Souza –o Visconde de Mauá– levou-o a bancar 40% do custo da primeira ferrovia de 18 quilômetros construída em Petrópolis em 1854. Em associação com os ingleses, ele iniciou mais três projetos ousados: a estrada Recife-São Francisco, a Dom Pedro 2º (depois Central do Brasil); e a São Paulo Railway, de Santos a Jundiaí.
Quando Mauá começou a implantar a primeira ferrovia no Brasil, os Estados Unidos já tinham mais de 40 mil quilômetros em pleno funcionamento. Hoje têm 200 mil quilômetros. Os países da ex-União Soviética possuem 150 mil –que respondem por 80% do transporte de carga. A Índia tem 62 mil e o Japão –um micropaís perto do Brasil– possui 43 mil quilômetros.
A China, que tem uma renda per capita bem menor do que a nossa, possui quase 60 mil quilômetros de vias férreas. Naquele país, a ferrovia é a segunda prioridade nacional, logo depois da agricultura. Só no triênio 1993-95 a China está construindo 16 mil quilômetros de novas ferrovias –além de eletrificar 6.000 quilômetros de linhas existentes.
Para tanto, os chineses vêm complementando os recursos internos com vários empréstimos externos do Banco Mundial e do Fundo de Cooperação Econômica do Japão. Mais importante do que tudo isso é o fato de o país ter aberto completamente a construção de estradas de ferro aos estrangeiros que ali passaram a construir sozinhos ou em parceria com governos e empresas locais.
No Brasil tudo está como estava no início do século. Na verdade, está pior. Nossa malha chegou a 35 mil quilômetros em 1944. Hoje está com os 30 mil e muitas deficiências. Só a Rede Ferroviária Federal tem 8.000 quilômetros de linhas e 400 locomotivas e vagões desativados e com pouca perspectiva de recuperação. O governo diz não aguentar manter a rede atual. Muito menos ampliá-la.
De fato, os recursos necessários são gigantescos. Mas, se não há recursos públicos, tem-se que partir para outras alternativas. A Inglaterra, por exemplo, em abril último, decidiu desmembrar os 18 mil quilômetros da British Rail em 25 trechos, arrendando cada um deles à iniciativa privada. A Argentina fez o mesmo. O Japão, idem.
O que é inadmissível é ficarmos inertes diante de problema tão grave. Afinal, tanto a recuperação das linhas atuais como a construção das novas podem ser feitas inteiramente com material e mão-de-obra nacionais. Os dormentes são nossos. As locomotivas e vagões são fabricados pela nossa indústria. E a eletricidade é brasileira. O que está faltando? Está na cara: está faltando a vontade de resolver o problema.
É, ferrovia nunca deu voto. Está explicado.

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