São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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A mágica besta

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – A perversidade do Plano Real –ou outro nome que tenha– supera a crueldade dos planos anteriores. Tanto na época do cruzado como na do Plano Collor, houve certa surpresa, os vazamentos beneficiaram alguns poucos que tiveram acesso à tramóia do governo. De qualquer forma, o congelamento pegou os preços num patamar. Não resolveu a nossa situação mas durante algumas semanas houve estabilidade no mercado.
Agora não. Embora garantam que não vai haver congelamento –e parece que não haverá mesmo– os preços estão livres para subir, seja em cruzeiros reais, seja em URVs. Com ou sem congelamento, os oligopólios e outros pólios já terão subido pelas tabelas a níveis nunca então sonhados. De tal forma os preços estarão alinhados que, haja o que houver, aconteça o que acontecer, as margens de lucro estarão mais do que garantidas.
Já os salários estarão congelados na prática. A paridade com o dólar será fictícia, pois o dólar verdadeiro, aquele que é fabricado pelo Tesouro americano, continuará subindo todos os dias. Leremos no jornal a cotação estável do dólar autorizada pelo governo. No paralelo, ele terá outro preço. A mágica é besta mas foi a ela que os membros da equipe econômica recorreram. O povo gritará mas o governo dará uma de Maria Antonieta: mas eles estão ganhando em dólar!
Quando estive em Cuba, em 67/68, recebi da Casa de las Americas uma nota de 50 pesos pelo trabalho de ler originais dos Prêmios de Literatura daquele período. Perguntei quanto valiam os 50 pesos. Valiam o mesmo que o dólar, ou seja, 50 dólares. O diabo é que não aceitavam aquela nota em lugar nenhum, nem mesmo para comprar meus Montecristos nas lojas do Habana Libre.
Estava em vigor uma moeda paralela, provisória –até hoje não entendi o que era, tampouco ela me foi suficientemente explicada. Embora gastasse muito pouco na ilha –eu tinha um cartão de "invitato" que me dava boca-livre geral– quando queria comprar alguma coisa precisava gastar francos franceses ou os próprios dólares que eram aceitos com a melhor das boas vontades.

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