São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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ARNALDO; clip

CLAUDIA GONÇALVES

ARNALDO
Depois de lançar "Nome" em vídeo, livro e disco, o ex-Titã se apresenta em São Paulo pela primeira vez
Depois de lançar "Nome" em vídeo, livro e disco, o ex-Titã se apresenta em São Paulo pela primeira vez
O ditado prega: cabeças juntas pensam melhor do que uma. Mas, há um ano e meio, o poeta e compositor Arnaldo Antunes decidiu contrariar a máxima popular. Deixou o grupo de rock paulistano Titãs com sete cabeças para iniciar sua carreira solo. Sozinho, não pensa melhor nem pior. Pensa inteiro. É uno e múltiplo.
É essa diversidade unitária que dá corpo, cabeça e alma a seu primeiro show, em cartaz até hoje, no Palace, em São Paulo. O nome? Só podia ser "Nome", o mesmo da trinca lançada em outubro do ano passado: disco, vídeo e livro. A capital paulistana é a terceira cidade a testemunhar a elétrica performance arnaldiana, depois de Curitiba e do Rio.
Mas nem tudo tem nome no show - caso do grupo que acompanha o artista. "É Arnaldo e banda mesmo", diz. A receita é a seguinte: mistura-se o guitarrista do Ira!, Edgard Scandurra, com o baixista Paulo Tatit. Adiciona-se Zaba Moureau, mulher de Arnaldo, nos teclados, e Pedro Ito, na bateria. Por fim, junta-se uma pitada de excentricidade de Peter Price, um inglês que toca um estrambólico instrumento de percurssão construído com peças de ferro-velho - canos de tubulação, pias de aço inox, restos de uma luminária, placas de metal, galões de plástico e por aí vai. A massa não desanda.
Se na mitologia grega os furiosos gigantes titãs perderam a guerra pelo poder supremo e sobre tudo e todos para Zeus e seus seguidores olímpicos, Arnaldo não precisou armar uma grande batalha para virar motal e dar vazão a suas "ansiedades artísticas" no novo trabalho. A satisfação estava na cara durante a entrevista que o cantor concedeu à Revista da Folha. Antes de começar a falar, Arnaldo fez questão de mostrar uma fita "demo" contendo onze composições que não estão no disco "Nome", oito delas inéditas.
Acompanhando o ritmo com os pés, reportagem e artista ouviram meia-hora de música entre cafezinhos e quadros do artista plástico Nuno Ramos e do próprio Arnaldo, pregados na parede da sala de estar de sua casa. Mais uma vez, a pluralidade dá o tom. Mescla-se um pouco de tudo: de "Judiaria", de Lupiscínio Rodrigues, e "Lugar Comum", de Gilberto Gil e João Donato, a "Budismo Moderno", poema de Augusto dos Anjos (1884-1914) que ganhou melodia e ritmo de bossa. O poeta também incluiu em seu show parcerias com Edvaldo Santana, Edgard Scandurra, Paulo Tatit e com os ainda Titãs Paulo Miklos e Toni Belloto.
Com tanta música nova para ser trabalhada em estúdio, o show deixa Arnaldo com um pé no projeto "Nome" e outro no próximo disco, que deve começar a ser gravado em dezembro deste ano e sair do forno em março de 1995. Mas até outubro, se os ventos continuarem soprando a favor, a vontade é continuar "on the road" com o espetáculo. Há limitações, é verdade. "Esse não é um show que está sendo facilmente vendido por causa de sua natureza e também porque é um recomeço. É um risco comprá-lo", analisa o ex-Titã. O "risco" e a "natureza" a que o cantor se refere talvez residam na incompreenssão com que "Nome" foi recebido por parte do público e da mídia. Arnaldo aponta como culpada a setorização "burra" que paira no mundo pop. "As pessoas perguntaram: afinal, o que é o "Nome"? É simples: é um disco para se ouvir, um vídeo para se ver e um livro para se ler". Mas num meio banalizado e codificado, como é o do consumo pop, o fato de o trabalho tangenciar a linguagem experimental causa curto-circuito.
Será uma operação mental tão complicada assim encarar um vídeo que pede para ser lido ou um livro que pede para ser visto - e não apenas lido? A brincadeira com os sentidos existe, mas o conjunto não é nenhum bicho de sete cabeças.
Arnaldo acredita que com o show o trabalho todo ganhará uma nova dimensão. "Vai-se completar", diz. No palco, ele vive uma nova experiência. A solidão chega a amedrontar na hora de soltar os berros primais ou a voz grave e calma nas 23 músicas apresentadas. "Nos Titãs eram cinco se revezando. Agora, eu canto o show inteiro. Estou até com medo".
Quem vê o Arnaldo-artista, de cabelos raspados sobre as orelhas, gestos convulsivos e, no mais das vezes, vestindo roupas escuras, não imagina o Arnaldo-família. Morando em um sobrado do bairro paulistano do Alto de Pinheiros - separado da calçada por um berrante portão vermelho e localizado no fim de uma rua sem saída -, o músico divide seu mundo particular com as filhas Rosa e Celeste, e com a mulher, Zaba.
Claro, divide também com a cachorra cor-de-mel chamada Ninguém - "Ni" para os mais chegados -, com a impressora laser, os dois computadores Macintosh e as cinco estantes de livros que povoam seu escritório. Registrem curiosos ou fãs, a bibliografia básica: tem Valèry, Baudelaire, Allen Ginsberg, Timothy Leary, Thomas Mann, Machado, José de Alencar, Poe, Joyce, Virginia Woolf, João Ubaldo, Leminski, os irmãos Campos, além de várias versões da "Divina Comédia", de Dante, um exemplar da revista modernista "Klaxon"e os "Sermões", do padre Antonio Vieira.
Apesar de ter familiaridade com grandes platéias, Arnaldo não é um ser muito verbal. Suas frases geralmente terminam com um "entendeu"?, numa tentativa de, talvez, dar ao discurso o mesmo nível de precisão e inteligibilidade de suas letras e poemas.
Poemas que tomaram impulso durante o único emprego que Arnaldo teve antes de virar um Titã: o de revisor de texto, em 1980, "Às vezes não tinha nada para fazer. Eu aproveitava o tempo cortando figuras de revistas e fazendo poemas visuais". Sempre interessado na trama de linguagens, ele participou da Banda Performática do artista plástico Aguilar, experimentou o desenho, a caligrafia, a performance etc. E até que as atribulações de cantor de rock o impedissem, frequentou o curso de letras - com o básico em linguística - na USP, "Talvez eu volte quando ficar velho", brinca.
O passado "uspiano" não transforma Arnaldo num entusiasta da ilustração paulista no poder. Sem receio de declarar o voto, ele vai direto ao nome: Lula. Estou definido. O Fernando Henrique seria um candidato em quem eu voltaria, mas não engulo o conchavo dele com o PFL".
Definindo-se como um católico não-praticante, interessado em "coisas" orientais e em candomblé. Arnaldo rejeita os dogmas, mas não a força das crenças. "O sentimento de religiosidade está muito próximo do sentimento de intensidade de vida, entendeu?" Para ele o estado de êxtase se aproxima da experiência religiosa. "E você chega perto dessa sensação em vários momentos: seja dançando, seja cantando, seja trepando, seja meditando ou seja nada". E Deus? "É um ponto de interrogação." Entendeu?

Para alguns, "Nome" é um bicho de sete cabeças incompreensível. Para Arnaldo é o óbvio: disco para ouvir, poesia para ler e vídeo para ver.

Católico não-praticante, Arnaldo descarta dogmas, mas crê no êxtase como experiência religiosa. "Você chega perto dessa sensação em vários momentos: cantando, dançando ou trepando"

Clip
TUDOS
Nome: Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho
Data e local de nascimento: 2.Set.1960, São Paulo
Pai: Arnaldo Augusto Nora Antunes
Mãe: Dora Leme Ferreira Antunes
Irmãos: Álvaro, Uche, Léo, Cira, Sandra e Maria Renata
Mulher: Zaba Moreau
Filhas: Rosa, 5, e Celeste, 3
Signo: Virgem
Ascendente: Gêmeos
Altura e peso: 1,81 m e 65 kg
PAPO-CABEÇA
Livro de Cabeceira: "O que eu estiver lendo. No momento, "Metamorfose", de Paulo Leminski (1943-1989)"
"Filme" de cabeçeira: "Pensamento"
O que rola atualmente em seu walk-man? "Fitas de ensaio"
Último filme que viu: "Lamarca" (de Sérgio Rezende)
Idiomas que fala: "Arranho um pouco de inglês"
Arte é: "Nutrir impulsos" (frase do poeta Ezra Pound, que viveu entre 1885 e 1972)
Sonho: "Respirar debaixo d'água"
O QUÊ?
Tem algo no corpo que te incomoda? "Catarro"
Parte do corpo que mais gosta: "Minha mão, meu pé, meu pau"
A que hora dorme e acorda? "Atualmente tenho dormido por volta das 3h e acordado por volta das 10h"
Faz esportes? "Ando"
Tem encanação com alguma doença? "Não"
Faz análise? "Não"
CONCRETO
Chato é: "Quem fica insistindo depois de ouvir um não"
Tamanho é dicumento? "Não"
Com quantas palavras se faz um bom poema? "Quantas não estiverem sobrando"
Sexo, reflexão ou meditação? "Sexo, reflexão e meditação"
Tem inveja de alguém? "Não"
Se não fosse poeta e compositor, seria o quê? "Professor"
Música ou poesia? "Música e poesia"
O que não faria nem por um milhão de dólares? "Qualquer coisa que eu não deseje"
AS COISAS
Vício: "Cigarro"
Hobby: "Meu trabalho é meu hobby"
Mania: "Roer as unhas, pegar na orelha, gesticular demais
Desejo inconfessável: "Ficar sem fazer nada"
Pior gafe: "Chamar as pessoas pelo nome errado"
Objeto do desejo: "Uma gráfica"
FAMÍLIA
Como e onde conheceu a Zaba, sua mulher? "Atrás do trio elétrico"
Ser pai é: "Ter prazer em ser pai"
O que não falta na sua geladeira? "Cerveja e Coca-Cola"
NOME NÃO
Instrumentos que toca: "Violão e guitarra"
Relação com as drogas: "Saudável"
Uma angústia: "Ter muitos compromissos"
Tem pesadelos? "Tenho"
Que lugar tem vontade de visitar e ainda não visitou? "Qualquer um onde possa ver neve. Nunca vi"

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