São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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O Tom dramático

TOM GREEN

Sem escalas, Tom Hanks passou de uma série de comédias românticas para o papel dramático de um homossexual aidético, personagem que lhe rendeu o Oscar de melhor ator. Aos 37, surpreso com a guinada, ele revela que o filme "Filadélfia" mudou sua maneira de encarar o mundo gay. "Fiquei muito mais tolerante"
Por Tom Green*
- Ter sido escolhido para o papel de aidético em "Filadélfia" foi uma surpresa para você?
- Surpresa por ser bom ou surpresa por ter sido uma péssima escolha? Você poderia fazer uma lista quilométrica de motivos para dizer que eu deveria estar no filme, ou não estar.
Você foi muito corajoso ao assumir esse papel, não?
- Todo mundo me pergunta isso. Não entendo. Era um grande papel, num filme fascinante. Era uma coisa arrojada que estava sendo feita. Em todos os momentos pensei: "Estou fazendo uma coisa que, se der certo, será um documento de como se vivia nos EUA em 1993". Puxa! Faria qualquer coisa para participar disso. Agora, onde entra a coragem nisso?
- Sei de histórias de atores que não querem nada com filmes que tenham como temas gays ou Aids.
- Acho que o público, principalmente o americano, já viu coisas mais fortes na TV e que, na comparação, fariam meu papel nesse filme parecer uma coisa pálida. Se alguém ainda ficar histérico só porque me atrevi a dançar com Antonio Banderas numa cena, vou achar que estou redondamente enganado e, talvez, me mudar para a Nova Zelândia.
- Qual foi sua reação ao se ver interpretando um gay?
- Exatamente a mesma que tive ao fazer um jogador de beisebol gordo em "Uma Equipe Muito Especial" ("A League Of Their Own", de Penny Marshall, 1992). Nesse filme, me vejo fazendo as mesmas coisas que fiz em outros.
- Foi sua contratação que garantiu a realização do filme?
- Ele seria feito mesmo sem a minha presença. Jonathan Demme (diretor de "Filadélfia") faria acontecer.
- A sua popularidade tornou a história mais palatável para o grande público?
Sei o que você quer dizer. (Sarcástico) Sei que tenho uma inacreditável aceitação do público. Sei que tenho um quociente de popularidade acima da média. Mas quando li o "script", achei que o papel era um desafio como ator. Ainda pensei: "Tem um bom elenco". Acredite, já me "queimei" no passado justamente pelo que imaginava ser um bom elenco.
- Sua escolha deve ter gerado "uma fogueira de vaidades", com gente dizendo: "Ah! não, ele não!"
- (Rindo) Foi exatamente o que as pessoas falaram.
- Você teve que perder 14 quilos e tornar o cabelo bem ralo.
- Escanhoei minha cabeça... usei uma série de perucas. Quando comecei, pesava 86 quilos. Quando terminei tinha 72 quilos. Mas isso foi o menor trabalho que esse papel me deu. A estrutura do personagem se formou realmente com as várias conversas que tive com pessoas que tinham Aids.
- Você ficou íntimo de alguém que morreu de Aids?
- Meu primo morreu de Aids recentemente. Um colega de escola também morreu de Aids. Mas nunca acompanhei os últimos momentos de vida de um doente.
- Após o filme, sua opinião sobre os gays mudou?
- Estaria mentindo se dissesse que não. Sempre fui tolerante. Mas, provavelmente, hoje, sou mais ativamente tolerante.
- Você tem filhos. Foi duro para eles ver o pai nesse papel?
- Expliquei que poderia aparecer gente dizendo "sei pai é bicha". Falei que poderiam responder "meu pai é um ator". Mas eles sempre tiveram jogo de cintura e já estiveram em contato com gente tão cretina quanto uma pessoa pode ser.
- Como foi contracenar com Denzel Washington?
- Quase sempre trabalhei com mulheres. Ter tido a oportunidade de atuar com Denzel foi muito bom. Somos parecidos, temos quase a mesma idade e tivemos experiências iguais. Ele acha que não é engraçado e eu acho que não sou dramático.
- Como foi encarnar o namorado de Antonio Banderas?
- Acho que causei inveja na maioria das mulheres do mundo e de uns tantos homens também, pelo que entendo.
- Você teve uma preocupação especial com "Filadélfia"?
- Não queríamos fazer um filme que não fosse fiel à circunstância e nem algo só para chocar.
- Não há sexo no filme? Você acha que isso é certo?
- Não fizemos nenhuma cena do tipo "sexo no chuveiro" ou coisa do gênero porque Antonio e eu representamos dois sujeitos que já estavam juntos há nove anos. Na melhor das hipóteses, um casal assim faz sexo uma vez por semana.
- Algumas pessoas criticam o seu personagem e a família dele, por serem bons demais para serem reais.
- Numa família grande, talvez alguém pire. Mas não em uma situação como aquela. Não se pira quando se está diante de uma barra dessas. Concordo que seria mais pirotécnico fazer o pai dizer "Filho meu, não...!"
- Muita gente comenta, também, sobre o quanto o filme é politicamente correto.
- Correção política cheira a anticomunismo. O quanto é politicamente correto usar fita vermelha (símbolo internacional da luta anti-Aids)? Se você não usa, está fazendo algo errado?
Você usa a fitinha?
- Muito raramente.
- Pelo filme, parece que só gays pegam Aids.
- E você me fala em correção política! Você nos critica por mostrarmos gays com Aids? Então o filme seria um desserviço só por não ter uma porto-riquenha grávida que usa drogas ou uma mãe americana de cinco filhos infectada, por transfusão? Por favor! Esse é outro argumento espúrio, usado só porque ousamos ser os primeiros a tratar da Aids nos EUA.
* DO "USA TODAY"/Tradução George Alonso

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