São Paulo, terça-feira, 7 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O fenômeno Collor

LUÍS NASSIF

Ainda há pouco distanciamento histórico para analisar em toda sua dimensão o fenômeno Collor. O tempo conspira a seu favor e nisso reside o nó na cabeça dos especialistas: a enorme dificuldade em admitir que uma pessoa com o passado violento e imoderado de Fernando Collor, proveniente de um dos estados politicamente mais atrasados do país, chefiando um exército de pigmeus inescrupulosos, tivesse a clarividência de definir um novo país –que gradativamente começa a se materializar.
Como alguns outros analistas, criei cá para mim alguns álibis para não ter que encarar a questão de frente. O máximo que admitia era que Collor foi um fenômeno eleitoral –algo muito menor do que um fenômeno político– e que todos seus atos obedeceram exclusivamente a uma impulsividade irracional que, por vias tortas, conduziram o país às mudanças que agora começam a aflorar em toda sua intensidade.
Visto assim, Collor representava apenas o fim de um modelo político que havia ficado tão irracional, a ponto de tornar-se autofágico, nas mãos de um louco varrido.
Ou então, que o país estava pronto para a grande reforma e que Collor foi apenas o intuitivo que se antecipou um pouco ao que era inevitável.
Mas era uma explicação muito simplista para o fenômeno. Os passos iniciais do governo –até que fosse destruído com o episódio Canhedo-Petrobrás– obedeciam a uma fria determinação, prejudicada, é verdade, por auxiliares medíocres a quem se confiaram tarefas claramente acima de suas possibilidades. Sem contar a enorme rapinagem conduzida por seu pessoal.
Mas era tão clara e lógica que, bastaram alguns meses de governo Collor, para uma realidade política e econômica que se arrastava há anos ficar irremediavelmente velha da noite para o dia, obrigando a uma reformulação em todo pensamento nacional, inclusive do PT.
Vicentinho, o maior fenômeno gerado pelo movimento sindical nos últimos dez anos, não teria aparecido como um cometa luminoso se, antes, as estruturas mentais e econômicas do pais não tivessem sido explodidas pelo furacão colorido, abrindo espaço para as câmaras setoriais e para uma nova postura sindical.
Repito: é muito difícil avaliar o fenômeno, quando se tem tão viva a imagem dos pequenos ratos que o cercavam, a suprema humilhação que causaram ao país com sua falta de limites, jogando o amor-próprio nacional no fundo do poço.
Mas não se consegue produzir a maior obra política individual que se tem notícia na história do país, simplesmente dando murros ao vento ou com mera intuição.
Goste-se ou não (o colunista não gosta), mais que um mero fenômeno eleitoral, o personagem Fernando Collor foi um gênio político dos maiores. E a coluna está apenas antecipando, com todos os riscos inerentes a apresentar tais conclusões com as brasas da fogueira ainda vivas, o que vai ser reconhecido mais à frente.
Valores morais
Que a conclusão não provoque comentários tipo: se ele era tudo isto, significa que está-se defendendo PC, ou dizendo-se que todas as acusações contra ele eram falsas?
Não é nada disso. Tinha todos os grandes defeitos apontados e o episódio político do impeachment foi tão relevante e pedagógico quanto seus discursos de modernização. Não se está fazendo o julgamento moral de Collor (o que o condenaria irremediavelmente), mas seu papel como homem de Estado.

Texto Anterior: Aumento das exportações em abril não altera queda no ano
Próximo Texto: Indústria paulista corta 10.334 empregos em maio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.